terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Velhos problemas? Público, acervos, leitura e bibliotecários em cenas da história da biblioteca pública Ana Maria de Oliveira Galvão Perspectivas em Ciência da Informação, v.19, número especial, p.211-226, out./dez. 2014 211 Velhos problemas? Público, acervos, leitura e bibliotecários em cenas da história da biblioteca pública Ana Maria de Oliveira Galvão Doutora em Educação. Professora Associada da Faculdade de Educação da UFMG. http://dx.doi.org/10.1590/1981-5344/2277 O artigo tem como objetivo discutir quatro grandes preocupações que têm sido permanentes na história das bibliotecas públicas: o público e o acesso; a constituição dos acervos; o controle sobre os modos de ler; e o papel do profissional responsável por essa instituição. Essas quatro preocupações são discutidas a partir da reconstrução de cenas que as expressaram em diferentes momentos históricos, no Brasil e em outros países. Constatamos que: há uma tensão, ao longo da história, entre atender às demandas do público leitor e as leituras consideradas benéficas pelos bibliotecários e professores na constituição dos acervos das bibliotecas; o par leitura e instrução-educação tem se sobreposto ao par leitura e lazer-diversão na constituição dos acervos; há uma tentativa de controle também dos modos de ler na biblioteca; gradativamente, os papéis atribuídos aos bibliotecários têm se complexificado – de conservador a mediador da leitura. Palavras-chave: Biblioteca pública. História. Leitura. Old problems? Public collections, librarians, and reading scenes in the history of the public library This article aims to discuss four major concerns that have been standing in the history of public libraries: the public and the access; the creation of collections; the control over the ways of reading; the role of the professional in charge of the institution. We discussed these four concerns using the reconstruction of scenes that expressed them in different historical moments, in Brazil and in other countries. We found that: there is a tension, throughout history, between the demands of the readers and the readings considered beneficial by librarians and teachers in the constitution of the collections; reading has been associated with instruction and education more than with leisure and fun, in the constitution of collections; there is also an attempt to control the ways of reading in the library; gradually, the roles of the librarian have complexified – from a conservative to a reading mediator. Keywords: Public library. History. Reading. History. Recebido em 20.11.2014 Aceito em 24.11.2014 1. Introdução Uma prática, um lugar e uma escrita. Michel de Certeau (1982) assim define os elementos que constituem a operação historiográfica. Ao dizer do lugar de produção, o autor refere-se, fundamentalmente, ao lugar institucional do pesquisador – e, por conseguinte, às relações de poder dele constitutivas – e também ao lugar do presente, tempo ocupado, inexoravelmente, pelo historiador. Essas duas dimensões, mesmo que não tenhamos delas consciência, nos faz optar por certas histórias, e não por outras. O fato de ser pesquisadora dos campos da História da Educação e da História da Cultura Escrita tem feito com que eu estude a história das bibliotecas a partir de um olhar muito específico, e isso, certamente, tem consequências nas abordagens escolhidas para tratar o tema neste artigo. O presente também inquieta e interroga, e coloca-nos diante de realidades que nos fazem selecionar, do passado, aquilo que parece mais interessante para compreender uma biblioteca em processo de reconfiguração, diante de um novo contexto social, em que novas mídias, novos gêneros literários e novos públicos são onipresentes. Foi, então, a partir desse duplo olhar construído pelo lugar de produção em que me encontro – institucional e do tempo presente – que, nos últimos anos, ao realizar estudos e pesquisas e, por meio deles, percorrer a história das bibliotecas, tanto no Brasil, quanto em outros países do mundo ocidental, pude constatar que, pelo menos, quatro grandes preocupações têm-se revelado constantes na história das bibliotecas públicas: o público e o acesso; a constituição dos acervos; a necessidade do controle sobre os modos de ler; e o papel do profissional responsável por essa instituição. Neste artigo, abordarei essas quatro preocupações, por meio da discussão de cenas que as expressaram, em diferentes momentos históricos, tanto no Brasil, quanto em outros países. São cenas (re)construídas a partir estudos que realizei mas também, e principalmente, a partir de outros estudos. 6. Considerações finais Os tempos mudaram, as inquietações e ameaças que rondam a biblioteca se transformaram. Mas, a história nos faz pensar sobre a permanência de algumas delas, que continuam a nos atormentar, em relação ao acesso e ao público, ao acervo, ao controle da leitura e ao papel do bibliotecário. Como expandir as bibliotecas até os lugares mais remotos? Como compreender a sua ausência em lugares tão óbvios, como instituições públicas de educação infantil (PEREIRA, 2011)? Como torná-la atraente a um público cada vez mais amplo e com interesses tão diversos? Como dissociá-la da imagem do medo, do silêncio e do sagrado? Como associá- la a um lugar de prazer? Como acolher os neo-leitores, crianças e adultos que, em um país de universalização tardia da escolarização, como o Brasil, começam, nesse início do século XXI, a procurar livros, livrarias e bibliotecas? Como fazer compreender que sempre haverá ameaças aparentes à biblioteca? Como se desvencilhar de uma concepção iluminista de leitura, que atribui ao livro o poder de mudar as mentes? Como, então, libertar-se da ideia de que o neo-leitor é incapaz de construir sua própria trajetória de leitor e insistir em prescrever-lhe o que deve e o que não deve ser lido? Como incorporar a discussão da ideia, na formação de professores e de bibliotecários, de que as boas e as más leituras são uma construção histórico-social e que os cânones literários não são absolutos nem universais? Muitas perguntas. Poucas respostas. Apenas uma certeza – se é que há alguma espécie de certeza quando falamos na perspectiva da História: livros sempre circularam, sempre foram lidos, apesar da escola, apesar da biblioteca. Referências CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros proibidos, ideias malditas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. CHARTIER, Anne-Marie; HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura (1880- 1980). São Paulo: Ática, 1995. COSTA, Lúcia de Fátima Vieira da; GERMANO, José Willington. Anos 60: leitura e educação popular no discurso dos inquisidores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 3., 2002, Anais... Natal, 2002. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2013