segunda-feira, 23 de maio de 2016

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sexta-feira, 20 de maio de 2016

Oito Ideias bacanas para organizar os seus livros em casa

http://morandosemgrana.com.br/oito-ideias-bacanas-para-organizar-os-seus-livros-em-casa/Oito ideias bacanas para organizar seus livros em casa

Já falei que amo livros? Provavelmente sim, mas não custa repetir: Eu amo livros! Muito… mesmo. Sou daquele tipo de pessoa que passa pela livraria e os olhinhos brilham, as mãos coçam e, só por um milagre, não entra e sai de lá com alguns exemplares novos para ler. Ah, gente, não tem nada melhor do que mergulhar em uma história de ficção, acompanhar e conhecer melhor a vida de pessoas que marcaram a história ou, ainda, se aprofundar em assuntos que nos interessam para os estudos ou o trabalho. O único problema de quem tem todo esse amor pelos livros é espaço para guardá-los sem deixar tudo uma bagunça, né? Pois eu resolvi compartilhar aqui com vocês oito ideias bacanas para organizar os seus livros em casa.

1

Antes de tudo, analise todos os livros com cuidado e guarde apenas o que julgar ser realmente necessário. Encaminhe o restante para doação ou venda.

#2

Escolha um lugar bem seco para guardar os livros. O local precisa ser bem ventilado e distante das paredes úmidas. Estantes abertas aumentam o cuidado com a limpeza, mas facilitam a circulação do ar, evitando fungos.

#3

Coloque-os em ordem alfabética por título, por autor, por gênero, de acordo com sua preferência. Se quiser, use etiquetas ou uma listinha contendo a posição na prateleira com o título e o autor.

#4

Deixe as obras que você mais utiliza no dia a dia em lugares mais acessíveis, como nas prateleiras à altura dos olhos.

#5

Alguns objetos decorativos, dispostos entre ou em cima dos exemplares, podem ajudar a remover dos ambientes uma impressão de biblioteca tradicional, deixando a decoração mais amigável.

#6

Utilize apoiadores de livros. Eles são super úteis e ainda decoram muito bem o ambiente.

#7

Intercale livros na horizontal e vertical, quebrando a monotonia.

#8

Se faltar espaço na estante para tanto livro, use alguns na decoração da casa: empilhados em cima da mesa de centro, dentro de uma mala vintage ou ainda como suporte de tampos de vidro ou outros objetos.
Para finalizar, separei um monte de dicas inspiradérrimas para você que deseja inventar e guardar seus livros de uma forma totalmente diferente. Espero que encontre o que precisa!
Oito ideias bacanas para organizar seus livros em casa
Oito ideias bacanas para organizar seus livros em casa
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Oito ideias bacanas para organizar seus livros em casa
Oito ideias bacanas para organizar seus livros em casa


terça-feira, 17 de maio de 2016

Mutações do gênero

POR BRENDA BELLORÍN
minaPesquisadora e crítica literária de literatura infantil. Cursou literatura na Universidade Central da Venezuela; fez mestrado na Universidade New School, em Nova York e doutorado em ensino de língua e literatura pela Universidade Autónoma de Barcelona. Dirigiu a Gerencia de Informação e Documentação e Estudo do Banco do Livro, foi professora de literatura infantil e promoção da leitura na Universidade Central da Venezuela e tem colaborado em projetos editoriais do Fondo de Cultura Economica e Ediciones Ekare. É professora no Máster en Libros y Literatura Infantil y Juvenil de la UAB-BL e membro de GRETEL. 


"Eu estava absolutamente convencido de que há um tipo geral fundadoem transformações aplicáveis ​​a todos os seres orgânicose que podem ser facilmente ser observadas em suas partes em qualquer corte médio."Goethe (Morfologia do contode Vladimir Propp)

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Peter Sis

Quando fui convidada para dar esta palestra, os organizadores da FILEC* me explicaram o amplo espectro da feira (ciências e literatura, nada mais e nada menos!), a relação que o evento tinha com o lugar e a astronomia e me comentaram que, por ser o Ano Internacional do Mapa (International Map Year/International Cartographic Association), muitos palestrantes organizariam a sua exposição a partir disso.
Depois de decidir que falaria sobre as transformações do conto de fadas (meu foco de interesse nos últimos anos), pensei que o tema mapas ficava um pouco distante e que talvez fosse uma imagem um pouco forçada no meu caso, considerando que justamente uma das coisas que caracteriza os contos de fadas é a sua imprecisão geográfica ("Naquele lugar distante..."/ "Em um reino distante..."). Mas depois, conversando com Maité Dautant sobre minhas dificuldades para cartografar o tema e chegar a uma perspectiva analítica que interessasse ​​tanto às pessoas da área de letras como de ciências, ela me fez ver que existiam muitos tipos de mapas, entre os quais os genéticos.
Maité me lembrou que, já em outras ocasiões, tínhamos falado sobre as vantagens de estudar o conto de fadas como um organismo vivo que se adapta e muda para sobreviver. A partir disso, as conexões aconteceram como naqueles filmes onde alguns raios conectam uma pista com outras mostrando o processo de sinapses do protagonista.
Bem, talvez não exatamente assim, mas certamente nesse mapeamento mental vieram ideias e textos que para mim tem sido decisivos para estudar por que o conto de fadas é um dos gêneros mais antigos, duradouros, populares na literatura e para refletir sobre como ele foi se modificado para ajustar-se aos leitores atuais e lhes transmitir um legado cultural de séculos.

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Tirinha de Hannah Bonner


O que eu chamo contos de fadas?
Antes de compartilhar algumas dessas referências e conexões devo começar explicando que, no contexto desta conferência, usarei o termo conto de fadas no seu sentido mais amplo, uma vez que precisamente quero falar sobre a sua maleabilidade, sobre a sua capacidade de transmutação. Meu interesse recai sobre o conto de fadas de origem europeia, tanto em sua associação com a tradição oral e literária, bem como nas várias formas que adotou para se adaptar a todos os tipos de midias, suportes e públicos nos séculos XX e XXI. Utilizarei o termo, como diz Bortolussi, em seu sentido trivalente:

 
o conto folclórico primitivo com a intenção de permanecer fiel à forma de recolha, como é o caso dos contos russos recolhidos por Afanasyev;
 as histórias coletadas com mais ou menos intervenção dos autores, como os de Basile, Perrault e Grimm;
 e os contos inventados a partir do romantismo, como os de Andersen. (ctd em Colomer, Leitor literária 49).

Mas também vou incluir relatos que são fruto da revisão e da recriação dos anteriores (e que se tornaram predominantes nos filmes, livros ilustrados e outros suportes).

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Ilustracão de Cinderela de Adolf Münze

Zipes estabelece duas categorias para falar sobre este tipo de obras: conto de fadas de fusão e conto de fadas transfigurado. Os primeiros são aqueles que mantêm a estrutura e formas próprias dos contos de fadas literários tradicionais, mas que introduzem referências à cultura contemporânea. Os últimos são aqueles que presentam e legitimam valores civilizatórios atuais através da crítica ou da paródia das formas clássicas desses relatos. 
Vou falar principalmente de contos maravilhosos e de suas versões paródicas, mas considerarei algumas histórias de animais que, graças à estandarização dos chamados contos de fadas clássicos (coleções que reúnem ChapeuzinhoCinderela e até Os três porquinhos), acabam normalmente incluídos nesta categoria. Isto, no âmbito da literatura infantil, minha área.
Esta definição se distancia bastante dos folcloristas, interessados ​​principalmente nos contos populares orais ou por aquelas versões escritas que não se distanciam significativamente destas. Minha concepção do conto de fadas está mais perto de Harold Bloom, que disse que esta se caracteriza por ser "uma selva textual em que uma interpretação cresce sobre outra até que interpretações se tornam a própria história" (Ctd em  Tatar , Off with Heads! xvi).
Gosto de sua definição (indefinição?) porque problematiza a ideia de que existem contos de fadas "reais", "puros", "genuínos". Também porque nos lembra que qualquer forma narrativa transmitida está sujeita a múltiplas revisões para acomodar-se à cultura e aos contextos nos quais se transmite e que, portanto, a "impureza" é inevitável e não tem que ser vista como perniciosa. Os contos populares se "contaminam" com a versão própria da situação comunicativa (mudanças de lugares e personagens, dependendo do contexto, uso de recitativo, etc.) e os contos de fadas se "contaminam" com elementos de outros gêneros e formas literárias, alusões ao mundo contemporâneo, entre outros.
Há uma citação de Knoepflmacher que me parece particularmente útil para ilustrar esta ideia e pode servir para fazer a nossa primeira conexão, homologia, com a biologia e assim poder falar do DNA dos contos de fadas:

Qualquer narração persistentemente transmitida está sujeita a múltiplas revisões culturais e necessariamente deve ser impura. E qualquer forma literária duradoura moldada pela consciência sofisticada de sua própria fluidez de gênero certamente deve ser premiada pela sua força, adaptabilidade e capacidade de fazer brotar uma grande variedade de brotos. Ainda assim, o caráter híbrido e de autoconsciência saudável do conto de fadas literário tem sido persistentemente usado contra ele. Longe de ser considerado como algo favorável, a impureza deste subgênero eclético tem sido subestimada desde o século XIX pelos românticos e folcloristas que preferiam a simplicidade sem contaminação própria dos lares camponeses e de crianças pequenas do que as camadas irônicas geradas pela autoconsciência civilizada. (15)

dore  gao  lobo Gustave Doré, 1867  |  John Lane,1898  |  Arpad Schmidhammer, 1904

Adaptação não é uma palavra ruim
Nas últimas décadas, a teoria literária se centrou cada vez mais em como se originam os textos através do diálogo que estabelecem uns com outros. Os estudos de adaptação e tradução, como disciplina, têm se utilizado do trabalho de teóricos estruturalistas e pós-estruturalistas como Genette e Kristeva para desmontar o discurso da fidelidade textual com base nas relações entre as obras ou os meios como espaços para a  criação.
Seguindo o pressuposto barthiano de que os textos não podem ser reduzidos a simples relações de fontes e influências, as adaptações foram revistas à luz da intertextualidade, do dialogismo entre textos e da transtextualidade procurando rastrear citações conscientes e inconscientes, identificar as relações entre a cultura anterior e a contemporânea, bem como compreender as produções e reproduções no contexto das relações sociais. Nestas revisões falar em termos de original e cópia perde sentido, uma vez que o diálogo, a comunicação, entre os textos implica necessariamente a colaboração entre estes ou sua hibridização.
No entanto, apesar de nosso entusiasmo pelas conexões que podemos gerar a partir da palavra texto, na verdade, ainda tendemos a defender o discurso sobre a fidelidade e a julgar as obras como boas ou ruins de acordo com uma suposta proximidade com "o original". Sem considerar que a referência, que cada leitor tem com o "original" é diferente. De fato, a referência raramente é a canónica. O conhecimento prévio dos relatos por parte dos leitores supõe questionamentos sobre a cronologia da recepção, uma vez que as dinâmicas de circulação dos contos e de suas adaptações impedem estabelecer uma linha do tempo progressiva. É difícil saber se os leitores se iniciaram com as versões canônicas dos contos antes de conhecer as formas elaboradas, ainda mais considerando que estão começando a entender como funciona a ficção e ver os relatos como artefatos feitos de peças que podem ser montadas e desmontadas (Silva-Diaz Libros que enseñan 60). Não é improvável que o primeiro contato com um conto como O gato de botas para algumas crianças seja através da saga cinematográfica Shrek (que, aliás, é uma versão de um álbum para crianças que já parodiava os contos de fadas).

botas     monstro       famiglia
Gustave Doré  | William Steig  |  Andrew Adamson e Kelly Asbury

Sobre isto, como mostram Bortolotti e Hutcheon (um biólogo e uma crítica literária que juntaram forças para enriquecer o estudo das adaptações e cujo trabalho tem sido fundamental para esta conferência), faz mais sentido analisar de forma descritiva as versões, tal como faz a biologia evolutiva, que não pondera o valor de um organismo em função de seus antecessores, mas que assume que todos têm o mesmo valor.
Como afirmam estes autores, "não é que a adaptação cultural seja biológica, mas simplesmente tanto os organismos como os relatos evoluem, ou seja, se reproduzem e mudam" (446). Cabe então assinalar que a adaptação literária, para além de ser um produto cultural, é a concreção de um processo evolutivo. Desde esta perspectiva, podemos dizer que uma adaptação pode ser bem sucedida não por causa de sua proximidade com a fonte em termos de fidelidade, mas, por exemplo, pela sua capacidade de mudar na linha de descendência para adaptar-se ao que o meio ambiente lhe exige (a um filme, um álbum, um vídeo jogo, uma música, etc.), o público ao qual se dirige (o infantil, por exemplo).



Genética e mimeses: transformação e réplica

Como dissemos antes, se há algum gênero que se caracteriza pelo recurso à transformação para sobreviver é o conto de fadas.
Jack Zipes, primeiro em Why Fairy Tales Stick e depois em El irresistible cuento de hadas, procura responder por que estes continuam se reproduzindo, mudando e têm tanta relevância em meio da crise textual que vivemos. O especialista norte-americano recorre com muito entusiasmo à mimeses, o que não deixa de ser irónico, pois há menos de um ano Richard Dawkins  - o próprio pai dessa corrente - disse no Cheltenham Science Festival que contos de fadas eram prejudiciais para as crianças, porque criavam uma visão de mundo que inclui o sobrenatural (Knapton). Sua declaração causou tanto barulho nas redes sociais que teve que dar uma entrevista ao The Guardian para se retratar (Weaver).
Em contraste com este tipo de posições temos a anedota sobre Einstein, que já virou uma lenda urbana. Segundo contam, uma mãe preocupada lhe pergunta que tipo de livros deveria ler ao seu filho para que este se tornara um cientista bem-sucedido, o físico respondeu sem hesitar: "contos de fadas".
Mas voltemos à mimeses, pois como Chapeuzinho me desviei do caminho do fundamental para ir pelo caminho das fofocas.
De acordo com Zipes, o conceito de meme serve para explicar a longevidade e a capacidade de adaptação dos contos de fadas. Por meme se entende "as instruções que precisamos para lidar com o nosso comportamento. Estas se armazenam no cérebro e são transmitidas por imitação "(Blackmore ctd por Zipes, Why Fairy Tales Stick xiii).
As memes conectam-se à teoria da evolução e se assemelham aos genes que codificam uma informação necessária para a reprodução. Da mesma forma que os genes são instruções codificadas nas moléculas de DNA, "as memes são instruções imbricadas no cérebro humano" (Zipes, Why Fairy Tales Stick xiii); nos predispõem a apreciar e criar relatos relacionados com as motivações e os conflitos humanos.

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Série “Fallen princesses” de Dina Goldstein

Zipes transfere esta ideia para o reino dos contos de fadas para descrevê-los como "histórias que tocam nossos instintos tão profundamente, que os cultivamos e passamos de uma geração para outra para continuar a reprodução da nossa espécie, assim como para adaptar, aprender e transformar nosso ambiente em mudança "(XIV).

Nesse sentido, os contos de fadas, como memes, são registrados no cérebro como uma representação coletiva da cultura e da sociedade. Cada indivíduo reelabora esse material para depois o reinserir na sociedade com uma aparência renovada, mas sem perder a afiliação com o texto base, o que contribuiu muito para a sobrevivência do gênero e para seu caráter mutável. Ambos traços estão mediados pelo contato humano e as tecnologias geradas para a comunicação (meios impressos, audiovisuais, etc.) (Zipes, Why Fairy Tales Stick xiv).

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Mjallhvít (Anónimo), ilustrações de Branca de Neve de Barret, Salvador Dalí e Pep Montserrat

Do ponto de vista da genética, pode-se associar os relatos com os genes, na medida em que estes se replicam, ou seja, são elementos dos quais se podem fazer cópias. Esta replicabilidade está associada ao fato de transcender ao tempo. Como diz Dawkins, uma elevada taxa de sobrevivência depende de coisas óbvias, como a longevidade e a fertilidade, mas também da capacidade de "copiar de forma infiel"; ou seja, de poder mudar em cada cópia, sem perder os elementos que tornam reconhecível a copia. Neste sentido, a réplica tem sentido em si mesma.

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Mutações, recombinações e seleção
A mutação é a matéria-prima da evolução (Bortolotti e Hutcheon). A diversidade das espécies e as variantes que surgem dentro das mesmas dependem de que ocorram mudanças no DNA, tais como as mutações ou as recombinações são dadas.  A biologia tem demonstrado através do estudo sistêmico e sistemático dos padrões de variação das espécies que as mudanças se devem principalmente à mecanismos de seleção natural ou de deriva genética.

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Pôster: seleção natural. 

No caso dos contos de fadas poderíamos estudar sua linhagem ancestral e os episódios de expiação de acordo com as mutações que ocorreram ao longo dos séculos por variações na circulação social das histórias e nas funções destas: entretenimento, representação e crítica social, expressões individuais artísticas, educativas e de autorrepresentação (Colomer, "Formação e renovação").
Por exemplo, após a passagem da oralidade para a escrita, as primeiras adaptações literárias foram dirigidas aos adultos, no início aos cortesãos e depois aos burgueses, que os compartilharam em encontros, ondecounteuses os transmitiam.
No século XIX, os contos se tornam um dos fundamentos mais importantes da literatura infantil. A mudança ocorreu em um momento em que o mundo editorial - especialmente o Anglo-Saxão - descobria o potencial económico dos livros infantis, o que resultou que muitas histórias da tradição oral fossem passadas pelo filtro da instrução moral e espiritual (no estilo dos relatos exemplares e de advertência) para torná-los aptos para este novo público (Tatar, Heads! 8).
Naturalmente, a mudança de audiência supôs que também fossem escritos e lidos de outras maneiras e em outros contextos, como a escola. Ali voltaram a ser novamente uma forma literária viva e a ser de novo populares na medida que se tornaram leituras de infância e passaram de novo ao domínio da leitura compartilhada e, inclusive, coletiva (Colomer, Leitor literário 49). Esse processo continuou com as mudanças em torno do conceito de infância no século XX, a expansão do nicho da literatura infantil no mercado editorial e o advento das novas mídias para a divulgação dessas histórias, como o cinema, a televisão e os videogames.
Com a chegada destes meios os contos de fadas se tornaram de novo populares para ser difundidos para um ampla audiência,  popular e letrada, infantil e adulta, de vários estratos sociais e nacionalidades. Para chamar este público tão vasto e diferente o conto de fadas teve que mudar a semântica e esteticamente.

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Ilustração de L. Leslie Brooke  |  Ilustração de Andy Goodman

Por exemplo, nos livros ilustrados para crianças dos Três Porquinhos raramente aparece a sequência do terceiro porquinho enganando o lobo, marcando para ir ao mercado, pegar maçãs, etc.; se suaviza a história fazendo que os irmãos e o lobo sobrevivam (no conto popular e no primeiro registro escrito este morre e é devorado pelo porco). As personagens são mais caracterizadas, elas tem nome, são retratadas nas imagens com elementos distintos cada uma (por exemplo, em alguns álbuns sob a influença de Disney cada um é retratado com um instrumento musical); o antagonista é aprovado acrescentando uma sequência em que ele vai para a cadeia, etc. Todas essas mudanças refletem uma necessidade de adaptar-se a um determinado público – o infantil –,  a se ajustar a um novo formato - o álbum – que, por sua característica brevidade e pelo tipo de relação texto-imagem tende ao digest.
Também revelam os ajustes da época (a imposição de uma ordem civil sobre uma ordem natural) e a inegável influência das mídias e da disneyficação em particular.

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Ilustrações dos Três Porquinhos de Pere Joan | Maria Rius | L. Leslie Brooke; Three little Pigs
Silly Synphony dirigida Burt Gillet, A verdadeira história dos Três Porquinhos, ilustrado por Lane Smith

Uma mutação interessante, mas não determinante
Nem todas as mutações resultam de adaptações às condições do contexto, mas, certamente, o meio ambiente é uma dos fatores que mais determinam a mudança no material genético dos seres vivos. Estas mudanças podem ser mutações pontuais que, embora façam que um organismo tenha umas características que o distinguem de seus antecessores não necessariamente se incorporam da mesma forma nos espécimes que o seguem, nem alteram a linhagem da espécie significativamente. Isto pode ser transplantado aos contos de fadas infantis na atualidade.
Por exemplo, a editorial galega OQO tem um álbum, Verlioka, que é uma adaptação do conto popular russo, no qual um homem velho vai resgatar a sua neta do gigante malfeitor e em seu caminho vão se juntando muitos ajudantes: um ganso, um esqueleto mil raças, um burro e uma cabra.

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Patacrúa e Magicomora

Neste álbum, os personagens foram determinados culturalmente. O processo de adaptação, além de promover mudanças para se adequar ao novo destinatário e formato, procura intencionalmente que os personagens sejam mais familiares, mais locais. O avô se veste com roupas tipicamente galegas, o que, juntamente com outros elementos da caracterização geral – como o fato de comer ervilhas e omelete de batatas - situa o conto russo em outro contexto mais próximo daquele do adaptador e/ou do leitor.

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Patacrúa e Magicomora

Esta recontextualização é significativa para os leitores galegos que se reconhecem nas imagens, é uma escolha do ilustrador que funciona, mas é uma informação que pouco diz aos leitores de outros lugares, é uma pista sem peso sem a referência perto.
Neste sentido, o genótipo do conto popular russo foi adaptado ao ambiente da nova produção, resultando em um fenótipo reconhecível, distintivo, mas que não termina de mudar significativamente o material genético do relato. Ou seja, a réplica mudou o fenótipo, mas não determinou a linhagem. A mudança não é sujeita à adaptação do ponto de vista biológico (embora sim do ponto de vista cultural e artístico), já que não depende desta mutação a sobrevivência do conto.
Aqui, para efeito do estudo da adaptação cultural, o que interessa é o uso do mecanismo de atualização do relato através de marcas locais na imagem, que é algo que de fato se repete.
Os relatos, assim como os animais e as plantas, podem sofrer mutações que não sejam adaptações. As mudanças podem ser pelo desgaste ou erros do material genético, ou porque as mutações são induzidas, como nos transgênicos, para criar melhorias numa espécie.

Mutações pelo desgaste da informação genética
Uma das coisas que caracteriza os contos de fadas, e especialmente os contos maravilhosos, é a sua relação com o fantástico. Neles seus protagonistas se enfrentam ao sobrenatural com ajudantes e objetos mágicos.
De acordo com Steven Swann Jones a essência dos contos de fadas, assim como de outros gêneros derivados do folclore, é o de ser "altamente funcionais, entendendo por funcionais, o fato de que abordam os problemas básicos que confrontam seus públicos", que tratam os grandes temas da experiência humana: "a psicologia do individuo, a sociologia da comunidade, a cosmologia do universo" (19).
Segundo ele, estes oferecem imagens psíquicas que nos ajudam a entender as nossas emoções, dão coordenadas para nos desenvolver na esfera social e pistas para descobrir nosso lugar no cosmos (19).
No plano psicológico tocam temas inerentes a todo ser humano, como as relações de autoridade, o abandono, a separação e as competências entre iguais; temas particularmente importantes na infância.
No social, este tipo de contos favorece a transmissão e circulação de valores (a família como o núcleo da vida social, o casamento como instituição, a ganância por bens materiais, etc.).
Do ponto de vista do espiritual, abordam as regras do universo por meio da presença do sobrenatural e a conexão com o divino. Sob esta concepção, o fantástico favorece a representação simbólica e poética e, assim, permite que o ser humano explore mais livremente das preocupações mundanas frente aos imponderáveis ​​da vida.
A questão é: depois de tantos séculos de circulação e de massificação o conto de fadas mantem isso que supostamente faz dele arte, faz dele transcendente? Seguindo com a homologia com os estudos evolutivos, cabe se perguntar que lugar tem o desgaste genético no gênero.
 Muitas vezes, na passagem para a literatura infantil contemporânea, os elementos mágicos se veem reduzidos para se tornar apenas lances, partes do conjunto. Ao se suprimir o extraordinário do conto maravilhoso, se apaga tanto a estrutura do herói que enfrenta perigos e obstáculos com a ajuda de seres ou objetos mágicos, como a configuração espaço temporal imprecisa e alguns dos traços dos personagens.
Em muitos contos de fadas para crianças o conhecido se impõe ao extraordinário. Parece que cada vez mais são histórias onde os protagonistas são príncipes, princesas, bruxas e fadas, mas que não agem como tais. Embora possam viver em um palácio ou no meio da floresta encantada, seu ambiente foi simplificado, se fez cotidiano, se aburguesou e nele pesa o doméstico, o familiar.

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Série “Fallen princesses” de Dina Goldstein.

Talvez este fenômeno se explica por que a tendência humana de domesticar o extraordinário também se estendeu ao ordinário. Embora vivamos em um mundo perturbador e de uma complexidade que está além da nossa capacidade de compreender, pactuamos com a realidade como se espera que o façamos quando lemos ficção.
Neste processo de naturalização, - e de banalização até - do extraordinário, as imagens arquetípicas que oferecem as versões contemporâneas dos contos de fadas vão se destilando até perder a sua complexidade e se converter em estereótipos, em "personagens que têm uma única característica amplificada quase até a caricatura "(Nikolajeva Retórica 201).
Substitui-se a abstração essencial da economia própria do género por uma simplificação mais centrada nos aspectos externos dos personagens (por exemplo as asas e a varinha da fada, a coroa do rei e o cabelo da princesa).

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Por exemplo, Hadabruja, escrito por Brigitte Minne e ilustrado por Carll Cneut, trata sobre uma garota-fada que se aborrece com a vida exemplar, ordenada e doce das fadas. Rosamaría quer ser diferente da sua família e do seu entorno. Em sua busca de uma vida alternativa acaba se tornando aprendiz de bruxa.
O conto, em princípio, mantém o tema do crescimento da protagonista em termos de uma escenificação de  seu processo de individuação, de integração de sua sombra. No entanto, isso é feito através dos elementos mais superficiais e estereotipados: as fadas são retratadas em tons rosa e as bruxas em vermelho e preto, as primeiras com suas varinhas e as segundas com suas vassouras; umas obedientes e boas, as outras à margem das normas e transgressoras.

hadabruja

Apesar da sofisticação do estilo das imagens, a polivalência simbólica tem pouco lugar nesta representação tão esquemática do que significa ser uma fada ou uma bruxa. A condição contraditória das fadas (ter poderes extraordinários que não usam para si, mas para transferir dons para aqueles que não têm esses poderes) se perde, assim como as associações que são feitas entre este tipo de caráter e as Parcas, etc.
A complexidade da imagem da bruxa como personificação dos aspectos sombrios do feminino, a loucura, sua relação com a alquimia, etc., fica reduzido a sua mínima expressão. Em Hadabruja se naturaliza o extraordinário pela via da domesticação. A história se enfoca como um escorregão da protagonista diante das convenções de ser fada e se diferenciar da figura dominante e reguladora da mãe. De fato, é muito muito importante que, no final, a mãe aceite a mudança de Rosamaría.
É comum que nos reescritos contemporâneos dos contos de fadas os conflitos dos personagens remetam ao familiar, à situações próprias de dentro de casa e ao mundo infantil.

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Ilustrações de Ivar Da Coll | Martin Jarrie | Roger Olmos | Lola Núnez

Podem fazer referência às relações entre pais e filhos e à obediência, como em Pies para la princesa de Ivar Da Coll, à chegada de um novo bebê como em La princesa Ana de Marc Cantin, onde há uma princesa que está gorda e é alvo de todas as fofocas da comarca, ao contexto escolar como em Tío Lobo, uma história que se assemelha à Chapeuzinho, onde parte da história se passa na escola, aos hábitos para ensinar como em histórias como em Heloise, a princesa preguiçosa ou Rita, el hada desordenada.
Tanto, pelas ações que realizam como por alguns aspectos da sua caracterização física, os personagens desses contos são muitas vezes tão próximos que poderiam muito bem não ser fadas ou princesas, mas pessoas comuns de hoje e, mais especificamente, crianças. Em contos como estes cabe se perguntar se realmente são da mesma espécie. Podem ter à primeira vista os elementos constitutivos do gênero, mas a recombinação destes tem sido tal que já se converteram em outra coisa.

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O desgaste dos elementos essenciais do conto popular pode ser o objeto do conto de fadas contemporâneo. Por exemplo, a caracterização estereotipada dos personagens pode se tornar o centro do relato, como emMolly el hada de la moda ou El catálogo para hadas.
Nestes livros a roupa não é usada como um recurso para fornecer sucintamente mais informações sobre os personagens, mas é o argumento das obras. São catálogos imaginados de roupas mágicas, spin-offscaricaturescos onde o vestido que é estrela e a moda protagonizam a tal ponto que o esquema  narrativo do herói se desfaz e a distancia entre estes e outros produtos culturais, tais como os brinquedos, se encurta. O conto de fadas se torna nestas obras uma vitrine de loja e os personagens são como manequins, usados ​​para exibir ideias predefinidas de como devem ser e brilhar as fadas (e as boas meninas).
Nestes livros que funcionam como merchandising, as representações tendem a se empobrecer e se apresentar como cliché, como se pode ver em Se busca novio principesco ou Cómo convertirse en un príncipe azul en diez lecciones. Ambos parecem muito mais próximos dos antigos livros para meninas - aqueles que davam conselhos para conseguir um bom marido e ser uma ótima dona de casa - que do conto maravilhoso  tradicional.

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Em qualquer destes casos, os livros são como fotocópias das fotocópias que vão perdendo resolução até que o texto e as imagens estão tão fora de registro que é difícil reconhecer.
Isso mostra que a sobrevivência dos contos de fadas repousa em grande parte nas possibilidades de mutação que oferece a paródia. No entanto, esta tem os seus limites: a paródia transforma, mas o seu poder de transformação depende do reconhecimento de suas fontes.
Muitas vezes, apenas resta um esqueleto reconhecível das mutações recorrentes de uma história, que pode ser recoberto com elementos que pouco tem a ver com as intenções do conto original.
Nesse sentido, talvez essa tendência de que os contos de fadas resultem em histórias que se voltam para a vida cotidiana, mas 'revestidas' do extraordinário (quer na seleção e caracterização dos personagens ou outros elementos), se tornem tão preponderantes que se convertam no eixo da trama que impregna o tom e a textura das histórias. Talvez a maior conexão entre estes livros e o conto de fadas tradicional seja preservar a imagem de simplicidade que inventaram os românticos quando fizeram do folclore uma disciplina de estudo e um tipo de literatura.

Reprodução Assistida: mutações para melhorar o gênero

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Assim como o DNA dos contos pode ir se desgastando até produzir gêneros híbridos (tal como vimos no catálogo de moda para fadas), também pode sofrer mudanças intencionais pela mão dos criadores que querem melhorar as suas condições de sobreviver num mundo onde as ideias sobre a sociedade, o gênero e as relações de poder foram se modificando.
Por exemplo, a partir dos anos 1960, com a efervescência das teorias associadas à crítica social e ao feminismo, mudou a veiculação deste género literário com um mundo cujas relações eram diferentes e a reprodução tradicional das histórias mudou para uma revisão consciente. Nesse sentido, o conto de fadas não só passou a ser questionado pela crítica, mas a ser uma produção crítica que reflete o desencanto com o gênero (Bottigheimer, Joosen, Tatar, Harries, Zipes).
Na nossa analogia entre como evoluem os gêneros literários e as espécies do reino animal e vegetal, pode-se dizer que a apropriação dos contos por parte de distintas correntes críticas deu lugar a uma geração de relatos que poderiam ser considerados transgénicos, enquanto que numa estrutura base se introduzem uns elementos completamente alheios buscando criar um produto que gere um efeito na sociedade. Este é o caso dos contos de fadas feministas.
Pela sua evidente ligação com a estrutura patriarcal da sociedade e por ser um veículo para a transmissão de valores culturais e modelos sociais, os contos de fadas infantis têm sido um terreno fértil, ao longo de mais de quatro décadas, para esta corrente crítica, o que se manifestou em novas versões das velhas histórias de sempre.
Kay Stone identifica três correntes principais dentro da crítica feminista aplicada aos contos de fadas, que correspondem, por sua vez, à mesma evolução do estudo dessas obras. Os primeiros autores criticaram as posições desiguais das mulheres na vida e nos contos de fadas, a geração seguinte considerava as mulheres autônomas e superiores, e a terceira percebia as mulheres e os homens como potencialmente iguais, contanto que os preconceitos masculinos fossem superados para que esse potencial se concretizasse.
Percebi que muito da escrita feminista nas três categorias se centrou nas mesmas heroínas estereotipadas uma e outra vez, até o ponto que as releituras e reescrituras feministas acabaram sendo estereotipadas. (55)
Assim como os estereótipos femininos questionados acabaram marcando o discurso feminista sobre a literatura de tradição oral, da mesma forma, o questionamento do caráter didático dos contos de fadas deu lugar ao uso deste traço para comunicar imagens específicas da perspectiva feminista sobre modelos sociais para a infância.
O temor frente à perpetuação dos valores patriarcais – expressos, por exemplo, em elementos em que o destino do personagem estivesse diretamente ligado a seu gênero –  fez que se buscasse transformar as dicotomias do conto de fadas para minar oposições como homem/mulher (associado a ativo/ passivo) e a caracterização binária que igualava os rasgos internos dos personagens com sua aparência externa (bondade /beleza; o maldade/feiura, etc.), além de evitar que a equação descrita por Bottigheimer se cumprisse ("pobreza através da mágica leva ao casamento, ergo à riqueza").
Na sua função de críticas, as autoras da primeira fase, como Stone ou Lieberman, alertavam sobre os preconceitos e as expectativas que encerrava esse tipo de contos, e que portanto, era necessário eliminar esse risco minando a estrutura binária ao subverter suas relações ou erradicá-las.

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Ilustração de Annemarie van Haeringen

La princesa de largos cabelos de Annemarie van Haeringen é um exemplo claro de reescritura feminista que contempla estes elementos.
Num reino muito pobre, o tesouro mais precioso do rei é o cabelo de sua filha, um cabelo preto, longo e pesado. Como o cabelo da mulher é um símbolo de beleza intimamente muito associado com a feminilidade, sugere-se no conto que essa qualidade ajudaria a encontrar um bom marido (entendido por bom, solvente), o que permitiria superar as dificuldades do reino.
Como um bom tesouro, seu cabelo é cuidado com muito esmero, mas este supõe um grande sacrifício para a princesa, pois ela deve carregar um enorme peso e depender dos outros até mesmo para as coisas mais banais e simples.

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Dada a recusa do pai de que ela corte o cabelo, ela resolve coloca-lo em duas malas para poder andar e ganhar um pouco de privacidade. Isso desencadeia outras ações que, acabam mudando o curso de seu destino como mulher submissa ao poder masculino. Ao tomar suas próprias decisões, a relação mulher/submissa clássica se rompe, as concepções tradicionais de beleza feminina e a ideia do casamento como uma forma de sair da pobreza. A princesa se casa neste conto, mas não com um príncipe azul, mas com um homem de circo forte, que encarna por sua própria natureza circense, a liberdade, e também a possibilidade de viver sob regras e parâmetros diferentes (os feios, os estranhos e os marginalizados são os que regem o mundo alternativo do circo).

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As ilustrações contribuem muito eficazmente à crítica dos cânones da beleza pois neles se representam visualmente o incômodo que é para a menina não fazer nada.
Nas primeiras produções críticas feministas era frequente que se invertessem os papéis enquanto que os personagens femininos eram associados com a ação e os masculinos com a  passividade.
Um exemplo é A princesa vestida com una bolsa de papel de Robert Munsch, um álbum em que o protagonista em vez de dormir à espera de um príncipe encantado que venha salvá-la, sai atrás de resgatar o príncipe que foi raptado pelo dragão. Neste conto se mantém a estrutura do salvador e da vitima, mas com os papéis tradicionais feminino/masculino invertidos.

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Ilustração de Michael Martchenko

Raramente se consegue que a transformação vá além de uma simples inversão. Um exemplo de como a subversão de carácter binário do conto de fadas pode ser mais complexa é Na floresta de Anthony Browne.
O livro é baseado na história de Chapeuzinho Vermelho, mas introduz mudanças nas motivações e ações dos personagens que dão origem a transformações estruturais significativas. O personagem não  é apresentado de forma esquemática. A história gira em torno do seu mundo interior, que não pode ser resumido em um adjetivo ou uma caracterização simples. A floresta, que é o lugar das suas projeções, é representada em outra clave visual (é em preto e branco e é o estilo mais realista).

as Ilustração de Anthony Browne 

O menino vai encontrando outras crianças - todos personagens de contos de fadas tradicionais - abandonados à sua sorte mas que, no entanto, assumem com autonomia a sua situação. Há uma exploração do tema da criança sozinha na floresta mas com reminiscências ao medo de ser abandonado, que se manifesta na ausência física do pai e emocional da mãe. A imagem da donzela em perigo do conto base é substituída pela da infância  em risco.
Da mesma forma, o sentido de alerta muda para uma proposta de educação sentimental (Colomer "Mudança de valores", "Educação sentimental"), que permite ao personagem principal encarar a neurose do mundo adulto e suas ameaças reais.

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Tudo isso, somado ao final inesperadamente feliz, altera o caráter binário do conto, lhe dá volume e profundidade, o que deixa em aberto muitas possibilidades de interpretação. A inversão da protagonista menina do conto base para um menino não é uma simples substituição, pois o mundo interior do personagem se torna o mais relevante da história.
Um dos alvos das revisões feministas tem sido e continua sendo, a idealização do amor no Ocidente, alimentada por ideias herdadas do Romantismo. Em Some Day Your Witch Will Come, Kay Stone satiriza essa abordagem da crítica feminista:
Todos os escritores, eu inclusive, pareciam concordar que os contos de fadas eram histórias de desamor, tanto por causa que o final "felizes para sempre" era falso, como porque as histórias eram mais sobre a busca do amor próprio que sobre o amor romântico com outra pessoa. (55)

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Com o tempo foram aparecendo algumas revisões mais afinadas. Um exemplo é La amante del miedo deEdward van de Vendel e Isabelle Vandenabeele, publicado por Barbara Fiore. Trata-se de uma releitura deBarba Azul, onde a protagonista, Louise, entediada de seu "patético" cotidiano " adulto", sente a necessidade de reviver o risco juvenil. Isso implica retomar ações e atitudes do passado (escalar paredes escarpadas, desenterrar crânios de vacas e lamber lagartas), mas ao mesmo tempo sentir falta e explorar a relação amorosa. No momento em que ela encontra o seu par modelo, se reconhece como uma mulher mais:
E, claro, pensou Louise: "Olha só, estou parecendo minhas amigas da escola, que sonham que os garotos as levem em seus cavalos, como os príncipes dos contos." Mas também pensou: "Não, isto é diferente, é de verdade."

Sua reflexão encerra um olhar crítico sobre as representações do amor herdadas dos contos de fadas, sobre o estereótipo do príncipe que conquista (na dupla acepção de cortejo e dominação) à donzela.
O conto original de Barba Azul está fora das convenções sobre o amor normalmente presentes nos contos de fadas: a história adverte sobre as dificuldades e os riscos da vida conjugal. Mas, mais que sobre a vulnerabilidade da mulher frente ao poder destrutivo do marido, a história centra-se na inconveniência de que esta manifeste a sua curiosidade e quebre os limites impostos pela figura masculina ao invadir seus espaços proibidos, tanto físicos, como metafóricos. Enquanto que o homem como dono e senhor da casa tem assegurado um espaço privado, a mulher só pode ser "dona de casa", sempre que seja transparente e obediente e que não deixe espaço (mais uma vez, seja física ou metafóricamente) para nenhuma suspeita sobre sua conduta. Tatar diz sobre isso:
Tem se considerado tradicionalmente que a história de Barba Azul é sobre a curiosidade da esposa, que não pode "resistir" à tentação de olhar o quarto proibido. Perrault apresenta também a mulher de Barba Azul como um personagem cujo desejo de saber é excessivo, uma mulher que comete o erro quase fatal de desobedecer o marido. Na moral da história, Perrault associa a curiosidade intelectual da esposa de Barba Azul com a curiosidade sexual das mulheres em geral (...) Perrault nos oferece um conto que escava, intencionalmente, a sólida tradição popular em que a heroína é a autora engenhosa de sua própria salvação. Em vez de louvar a coragem e sabedoria que a esposa de Barba Azul demostra ao descobrir a terrível verdade sobre os crimes de seu marido, Perrault, como muitos outros narradores dessa história, menospreza sua rebeldia e insubordinação. (Clássicos 148)

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Gustav Doré (1862) | Christoph Wischniowski (2012) | Alejandra Acosta (2014) | Carles Mercader (2014)

Ao descobrir o segredo que lá se esconde, sente um medo de tal intensidade que fica paralisada e só consegue reagir quando ouve o relinchar do cavalo, um chamamento à vida. O crescimento da personagem está em reconhecer os seus próprios limites, mas do que em respeitar os dos outros. O conto tem um argumento complexo, seguindo a ideia aristotélica de que as histórias são mais elaboradas onde a mudança da sorte vai acompanhada pelo reconhecimento e/ou a habilidade do personagem.
Esta complexidade é contrária ao esquema patriarcal do conto de fadas dos Grimm e Perrault, onde a resolução do clímax do argumento se da pela anagnorisis do personagem. Louise torna-se ciente do gérmen destrutor de seu próprio tédio quando durante a fuga encontra no seu bolso "uma semente do mal, uma semente maçante, terrível", que joga na floresta dos Arrepios para se livrar de insatisfação que não permite que encontre o seu lugar no mundo.

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Ilustração de Isabelle Vandenabeele

O texto também lembra ao leitor que ele está diante de uma obra que revisa um conto tradicional e seus valores. O texto é explícito em pelo menos uma oportunidade: quando a protagonista descobre as cabeças de seus amigas mortas e o narrador conta: E à Louise lhe pareceu que as ouvia suspirar. Sim, era como se de repente saíssem voando pela porta todos os suspiros que as garotas tinham feito pensando em príncipes, romances e meninos de coração inacessível.

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A representação da heroína joga com traços que tradicionalmente são associados ao masculino (o desejo de aventura, a decisão de expor-se ao perigo, o rechaço à sumição, a disposição aberta à experiência sexual e o senso de humor), assim como também reivindica visões negativas sobre o feminino (é indiscreta, falante e sabe de plantas curativas e venenosas, sugerindo que é uma feiticeira). Nisto há uma desmontagem do mecanismo binário do conto de fadas.

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As ilustrações em xilogravura reforçam a ruptura com a tradição de várias maneiras. Primeiro, com a escolha da técnica e um registro visual próprio contemporâneo e alheio aos livros clássicos da literatura infantil e dos contos de fadas. Em segundo lugar, pela caracterização dela que, à primeira vista, parece simples e esquemática, no entanto, é complexa por suas próprias contradições. É uma mulher forte, sólida e volumosa, que por sua vez vai vestida e penteada como uma menina e tem uma atitude corporal infantil. E, em terceiro lugar, a representação visual é irônica em relação ao texto porque sugere que se trata de um conto ingénuo, inocente, quando na verdade ele é uma história que explora elementos escuros da psique.
Os exemplos de transgênicos que acabo de descrever mostram como pela intervenção deliberada podem ser dadas variações do gênero que mudam o mapa genético do conto de fadas de maneira determinante, uma vez que redirecionam o foco das imagens universais em direção à uma preocupação teórica ou ideológica e esperam um tipo específico de reflexão particular por parte do leitor. Da mesma maneira que com os produtos alimentícios transgênicos estas adaptações enriquecidas com vitaminas adicionadas têm seus defensores e detratores. Fica na mão deles decidir se eles consomem estes transgênicos ou se consomem os cada vez mais difíceis nutritivos relatos de antes, que, de todo jeito, se transformaram naturalmente porque o contexto do seu consumo é outro.

São os contos de fadas uma espécies bem-sucedidas?
Depois de falar sobre todas essas mutações do gênero é inevitável levar a analogia com a  biologia um passo adiante. Sob o olhar nostálgico do discurso de fidelidade literária pode que os materiais dos quais falamos se desviem enormemente do "original" e, portanto, poderiam ser considerados formas degradadas. No entanto, desde minha leitura pseudoevolucionista  o gênero tem demostrado através de suas mutações e recombinações ser mais do que capaz e bem sucedido, uma vez que tem persistido no tempo, tem demonstrado a sua capacidade de transformar-se para se adaptar ao meio e ao público e para se diversificar e se multiplicar.
Muito obrigado por me acompanhar neste exercício cuja homologia terá mais de uma inconsistência, pois sei muito pouco de biologia.

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Sem título (série Profanity Pop, 2014), de Rodolfo Loaiza Ontiveros



Transcrição da fala realizada no 9 FILEC (Feria Internacional de Lectura, Ciência  y Literatura), realizada em Tonantzintla, México, em fevereiro de 2016. 

Bibliografia
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