segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Um novo modelo de bibliotecas

Um novo modelo de bibliotecas

Por que é preciso adaptar esses espaços para atrair usuários, qual o papel das bibliotecas na formação dos novos leitores e por que é importante valorizá-las

25/11/2013 16:08
Texto Stephanie Kim Abe

Foto:
Na biblioteca localizada no Centre Pompidou, em Paris, não há qualquer burocracia para consultar o acervo
Imagina só uma biblioteca dinâmica, acessível, aberta e agradável, como um espaço de grande sociabilidade. A cena foge totalmente daquele imaginário que temos de um lugar silencioso, vazio, empoeirado, chato, intimidante, de estantes altas, infinitas e inalcançáveis. Um espaço onde haveria barulho, pessoas comendo e bebendo - e até dormindo. Parece utópico, mas esse é o modelo defendido peloprofessor e pesquisador da Universidade de Cergy-Pontoise (França) Max Butlen, e que já tem sido colocado em prática em muitos lugares do mundo.
É o caso de algumas bibliotecas municipais em Portugal, que promovem festas do pijama, festas de Halloween, exposições e outras atividades lúdicas em seus espaços. Ou da biblioteca do Centre Pompidou, em Paris, onde as pessoas podem pegar qualquer livro sem qualquer burocracia. Essas instituições francesas já são sinônimo de muita sociabilidade e de novas formas de interação - tanto que já não são chamadas de bibliotecas, mas sim de midiatecas.
"O novo modelo de biblioteca é aquele que tem a missão de conservação de antigamente, mas também de difusão para todos os públicos e em todas as mídias", explicou o professor, em seminário realizado no Sesc Interlagos, em novembro).
Evolução das bibliotecas
Modificar as formas de oferta dessas instituições significa facilitar o acesso à leitura e à escrita. Como Butlen explica, na maior parte da história da humanidade houve poucos livros e leitores, com a representação da biblioteca como algo sagrado e templo da leitura até meados do século 19 - época em que ler era uma ação digna apenas dos homens do clero e dos poucos letrados. "Essa representação remete à tradição da leitura privilegiada, uma prática que exclui os leitores iniciantes", diz ele.
Em uma breve explicação da evolução das bibliotecas, ele explica que houve três grandes revoluções, em termos de volume: a primeira através da codificação, com a invenção da escrita; a segunda durante o século 15 com a invenção da prensa móvel pelo alemão Gutenberg e a terceira durante o século 19 com o aumento da oferta de livros. Atualmente, estamos passando pelo que ele chama de quarta revolução: um processo de digitalização, que tem início na virada do século 20 para o 21.
O aumento imenso de práticas de leitura é o que caracteriza esse período, de tal forma que temos muita informação e muitas obras acessíveis hoje em dia."Estamos em um momento de redefinição da leitura, dos leitores e dos atores culturais", diz. A grande questão é permitir uma apropriação coletiva dessa leitura e escrita, construindo uma relação dinâmica desse público com os livros e o hábito de ler. "Os novos modelos de biblioteca devem ser compatíveis às novas práticas de leitura do século 21", resume ele.
Que leitores queremos formar?
Essas novas práticas a que se refere o professor acompanham a própria transformação da sociedade e dos leitores, com o intuito de introduzir aqueles que estão afastados na leitura. "Não basta fazer a aproximação geográfica dos leitores mais fracos. Isso é muito bom. Mas temos que nos interrogar sobre as maneiras de dar essa oportunidade", explica Butlen.
Daí a importância do papel do mediador - seja ele o professor, um bibliotecário, os pais - e das bibliotecas comunitárias. "É preciso levar em conta a vida e a cultura deles. Muitas vezes esquecemos o sujeito leitor, as suas práticas, as suas leituras de mundo reais", diz. Fazer com que a leitura esteja ligada à vida das pessoas e daí fazer surgir boas razões para ler é a premissa que Max Butlen coloca como essencial para permitir que os livros tenham um poder sobre a vida delas. "Temos que tirar as barreiras entre livros e leitores".
Essa nova formação precisa levar em conta que são requeridas múltiplas competências dos leitores atuais: eles devem ser leitores/escritores polivalentes, capazes de ler em todas as modalidades (em voz alta, silenciosamente, seletivamente, analiticamente), saber ler todos os tipos de textos (literários, documentais, informativos) e intertextos, em todos os suportes (livros, jornais, computadores, tablets) e em todos os lugares (bibliotecas, praças, escola). Tudo isso para torná-los leitores críticos, reflexivos.
A importância da escola e da família na formação de leitores
Enquanto as bibliotecas funcionam como um importante espaço de formação, a escola e a família também têm peso significativo nesse processo. As instituições de ensino precisam renovar a aprendizagem da leitura, de forma a parar de provocar a exclusão dos alunos que não se apropriam corretamente da língua e das formas de escrita. "As escolas devem renovar a aprendizagem, desenvolvendo um novo ensino de leitura baseado sobre uma pedagogia da compreensão da escrita", afirma o professor. Já a família deve apoiar o aluno nessa formação independente de sua escolaridade: "ajuda muito o aluno se a família torce pelo leitor, qualquer que seja a formação dos pais".
Butlen recorre à frase "Só a antropofagia nos une", do escritor modernista brasileiro Mário de Andrade, para fazer uma referência a esse objetivo que a biblioteca deve ter hoje em dia. "O mais importante é que a leitura permite olhar o outro, o mundo, sonhar. A biblioteca me parece, assim, o lugar ideal para a antropofagia, para construir uma identidade mais abrangente de si próprio e dos outros", diz ele.

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