quinta-feira, 23 de julho de 2015

Estresse Ocupacional E Assédio Moral Em Profissionais Bibliotecários

23/01/2009 • Por  

Maria Luiza Lourenço*
(Faculdade de Educação – USP)
Thiago de Almeida**
(Instituto de Psicologia da USP - Departamento de Psicologia Clínica)
            Atualmente, o estresse ocupacional é um problema que ataca profissionais de todas as áreas de atuação, sendo que alguns profissionais podem ser mais afetados que outros. Muitos profissionais da área da saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos), da área financeira (bolsa de valores, investidores, etc), policiais, vendedores, pessoas que trabalham com público em geral,  freqüentemente se queixam do desgaste e do estresse a que são submetidos durante o período de exercício laboral, durante o dia a dia, o corpo a corpo com usuários, clientes, fornecedores e outros,  além, de muitas vezes este embate também existir entre seus pares e principalmente com seus superiores. O profissional bibliotecário, o arquivista, o documentalista, enfim, os profissionais da informação, também estão sujeitos a esses estresses ocupacionais, como qualquer outro profissional.

            De acordo com LACANNA (2008) o custo elevado dessa situação não se restringiria apenas ao indivíduo, a sua saúde e bem-estar, mas a organização e a sociedade em geral pelo efeito sobre a produtividade. Observa ainda a autora que o efeito global do ambiente de trabalho sustenta-se por complexa interação entre fatores físicos, psicossociais e organizacionais, com uma via final comum em termos da psicofisiologia individual do trabalhador, portanto, é importante estudar e estar atento às estratégias de enfrentamento que o indivíduo desenvolve perante as constantes variações de trabalho.
            É importante que as chefias se conscientizem que muitos dos sintomas apresentados pelos seus funcionários como cefaléia, insônia, dores no corpo, palpitações, fadiga, alterações gastrointestinais, tremores, resfriados constantes associados ou não a sintomas psíquicos tais como baixo nível de concentração e memória, confusão, perda do humor, depressão, raiva, medo e irritabilidade, não são apenas excusas para não executar aquilo que se espera dele em seu expediente, mas podem ser sinalizar os efeitos deletérios do estresse ocupacional.
            O profissional da ciência da informação e a questão do estresse ocupacional
            Profissionais da área da informação, enfrentam em seu dia problemas com os usuários/clientes, com os superiores, com subordinados, com os colegas de trabalho, fornecedores, prazos, cobranças, burocracia (no caso de servidores públicos),  mas, apesar disso, pouco tem se estudado em relação aos problemas ocupacionais a que esses profissionais enfrentam durante seu período de trabalho ou fora dele. Infelizmente, esses profissionais, muitas vezes também enfrentam o chamado estresse ocupacional, por ter que lidar com pressões, volume de trabalho e cobranças.
             Em 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) chamou o estresse de “a doença do século” e, mais recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) descreveu o estresse como a maior epidemia mundial do século XX. Pode-se compreender o estresse como uma reação do organismo que ocorre quando se é necessário lidar com situações que exijam um grande esforço, sobretudo, emocional para serem superadas. Há que se evidenciar que quanto mais a situação perdurar ou quanto mais grave ela for, mais estressada a pessoa pode se deixar afetar. Um dos ambientes mais férteis para o estresse se desenvolver é o contexto laboral. O estresse ocupacional é uma reação negativa do organismo, a um estado crônico de estresse que o trabalhador pode estar vivenciando e que prejudica sua saúde física e mental e que podem ser classificados em várias categorias, sendo que alguns são predominantes de acordo com a área de atuação do trabalhador.
            A Biblioteconomia sempre foi uma das profissões mais requisitadas, onde quer que existissem registros culturais, científicos, filosóficos, religiosos, políticos, sociais, etc. que necessitassem de  armazenamento e preservação, além é claro da disseminação desse conhecimento/informação  para todos. Nos dias atuais, onde a informação é de extrema relevância para a gestão documental e digital e o acesso a todo tipo de  estoques de informações/documentos e não somente a guarda e conservação de acervos, esse profissional precisa estar mais do que nunca atualizado e enfronhado com as novas tecnologias da informação e  onde a informação se expande e espalha  cada dia mais rápida pela rede e aumenta a procura por profissionais da informação.
            Mesmo com toda a tecnologia existem ainda muitos profissionais dessa área, que atuam em bibliotecas e empresas como há alguns anos, sem que as novas tecnologias da informação estejam presentes no seu cotidiano. Além disso, um dos espaços mais comuns em encontrarmos profissionais da informação é na área da esfera pública, onde escolas, universidades, museus, repartições públicas, secretarias, ministérios, etc., utilizam os serviços desses profissionais.
            Até pouco tempo atrás, a biblioteconomia era considerada uma profissão particularmente do sexo feminino, por preconceito ou falta de interesse na área,  poucos eram os homens que se formavam nas universidades na área, apesar de vários profissionais masculinos terem se destacado na profissão. Hoje com o com o advento da Ciência & Tecnologia,  da Indústria da Informação, as facilidades de acesso a essas novas tecnologia, a globalização e com a diminuição do preconceito, muitos são os profissionais do sexo masculino que exercem a profissão, além do aumento da procura por cursos da área por jovens estudantes.
            A pressão para que tarefas sejam feitas em tempo cada vez menor, o número excessivo de tarefas, demandas cada dia mais solicitadas, aumentam a carga sobre o trabalhador que torna-se  ansioso, estressado e fazendo com que o indivíduo sinta-se, muitas vezes ,que está além de suas  habilidades,  acima de sua capacidade funcional em resolver determinadas funções e tarefas.

            Há que se evidenciar também que o indivíduo estressado apresenta, principalmente, os sintomas de irritação, impaciência, dificuldades de se concentrar e de se relacionar, agressividade e falta de interesse. Mas, vale a pena frisar que o estresse, em doses moderadas, chega até a  ser importante na vida profissional - a ligeira ansiedade que ele produz garante desempenho adequado ao funcionamento das organizações (MARINO, 2008).
            Segundo Lacanna (2008):
 Os estressores organizacionais conseqüentemente geram ansiedade, cujo significado é sufocar, desencadeando sintomatologia orgânica de mal-estar psíquico caracterizada por perturbações somáticas a nível cardio-respiratório causando sensação de opressão e hipercontração muscular.

            Por muitos anos, as pessoas tiveram uma visão estereotipada dos bibliotecários e que infelizmente, ainda persiste  em alguns lugares e para um grande número de pessoas. A bibliotecária, (antigamente eram normalmente as mulheres, que exerciam a função), era vista como uma mulher madura, de óculos, cabelos penteados em coque, brincos e/ou colares de bolas, sisuda, além de ser considerada uma pessoa assexuada. Essa visão, talvez tenha contribuído para que muitas profissionais fossem taxadas como pessoas que se preocupavam somente com o silêncio das bibliotecas, com a arrumação dos livros nas estantes, e que decoravam o lugar onde cada livro estava guardado.
            Muitas pessoas até hoje se espantam quando um profissional da informação, seja formado ou ainda estudante, conta onde estudou ou  quanto tempo levou para se formar, os cursos de especialização e pós-graduação que fez ou faz. A Biblioteconomia ou Ciência da Informação, apesar de ser considerado um curso generalista, coloca no mercado, profissionais aptos a atender a demanda por profissionais da informação. E claro que os profissionais, devem se adaptar a área de atuação, fazendo diversos cursos para sua complementação profissional, além de pós-graduação quando for de interesse ou necessário.
            Apesar dessas mudanças, ainda hoje, muitos empresas ou serviços públicos, na pessoa  de superiores hierárquicos, diretores, chefes, etc., agem de forma que os profissionais sejam considerados pessoas desqualificadas para a função.  Muitas vezes, os próprios colegas ou até mesmo os usuários/clientes desses profissionais também podem provocar traumas nessas pessoas, por diversas razões, fazendo com que o estresse ocupacional se instale, dando vazão a outras doenças derivadas desse estresse ou até mesmo de outros problemas também graves, que podem fazer parte do rol de  traumas derivados de doenças ocupacionais e desgastes psíquicos, provocados por assedio moral, assedio sexual, bullyingno trabalho, coping, síndrome de burnout, etc.
            Na situação de assédio moral, como no relacionamento interpessoal, onde existe uma interação entre as pessoas,  seja no trabalho privado ou público, normalmente as ações das chefias sobre o subordinado fazem com a pessoa seja “torturada” através de palavras e ações, fazendo com que a pessoa em questão, seja humilhada, ofendida, tenha sua auto-estima rebaixada, gerando conflitos que serão a fonte de vários níveis de estresse.
                Embora o fenômeno do assédio moral, seja recente, ele já existe há muito tempo no mundo. Existem dados que remontam a anos, mas que somente há pouco, começou a ser estudado.  Segundo Loper (2008):
As expressões harcèlement moral (assédio moral) da França; bullying (tiranizar) da Inglaterra; mobbing (molestar) dos Estados Unidos e murahachibu (ostracismo social) do Japão significam aquilo que no Brasil nomina-se de assédio moral, forma de psicoterrorismo no trabalho, denunciado pela jornalista inglesa Andréa Adams, no livro "Bullying at Work", em 1992, propugnou a tipificação do assédio moral no trabalho como forma delituosa. A Suécia, Alemanha, Itália, Austrália e Estados Unidos já legislaram em favor das vítimas dessa forma distorcida de relacionamento no trabalho. Embora se trate de ocorrência tão antiga quanto o próprio trabalho, no Brasil, em nível de serviço público ou privado, o tema surge apreciado de forma tímida,...
                O assédio moral, trás conseqüências graves para a saúde do profissional, seja de qualquer área, nesse caso especificamente, falando de profissionais da área da informação, trás sérios problemas físicos e psíquicos aos trabalhadores. Informalmente, sabemos de vários profissionais são acometidos por esse problema, que em muitos casos, estão doentes, depressivos, com baixa auto-estima e nem sabem as razões desses distúrbios.
                O assédio moral não escolhe suas vítimas, que podem ser mulheres ou homens; trabalhadores com muito ou pouco tempo na profissão; chefes e subordinados. Esse mal muitas vezes acomete profissionais com muitos anos de trabalho e que necessitam passar por mudanças organizacionais e/ou tecnológicas, que demoram para se adaptar a essa mudanças e são alvos de chacotas, preconceitos por parte de colegas e superiores. Outros profissionais que tiveram mudança de cargo, ou que tiveram promoção também podem ser assediados moralmente por colegas muitas vezes desgostosos ou invejosos dessas mudanças.
                O profissional da informação acometido por esse mal, passa a sentir-se humilhado e marginalizado perante seus pares e até mesmo em relação aos clientes/usuários, que muitas vezes percebem as mudanças ocorridos com essa pessoa, prejudicando até mesmo sua capacidade intelectual, pois ele se julga inferior a tudo e a todos e com sua auto-estima reduzida, sua produção abaixa, seu trabalho, seja ele ligado diretamente ou não com o usuário, seja prejudicada, que a qualidade seja repensada. Faz com que o trabalhador acabe falhando em suas funções mais básicas e acabe entrando em desespero, muitas vezes achando que não serve para  mais para aquela atividade e  sinta-se desrespeitado em sua dignidade e identidade.
                Muitas vezes, os superiores imediatos são os que mais  assediam os subordinados, utilizando de uma conduta abusiva da superioridade e de seu poder para fazer com que os funcionários sejam humilhados, hostilizados, havendo um isolamento social da vítima de abuso, fazendo com que  indivíduo assediado, desenvolva um quadro de miséria física, psicológica e social , que pode perdurar por muito tempo, sem que muitos não saibam nem o porque de seu sofrimento, sem que seus direitos sejam defendidos.
            De acordo com  Andrade (2007):
Reconhecer o assédio moral não é fácil. Pode ser uma palavra do superior hierárquico, intencional e frequentemente pronunciada, capaz de causar um estrago físico e mental no empregado. Assim, por ser um processo gradual, não é possível estabelecer o tempo de prescrição.

            Infelizmente, esse mal do mundo corporativo, está  cada dia mais freqüente em nossas empresas públicas e privadas. Não escolhe suas vítimas, só precisa das palavras para acabar com uma pessoa, física, moral  e psiquicamente e que muitas vezes, necessita de tratamento médico/psicológico e de afastamento de seu trabalho. Um mal do mundo moderno, das corporações, da globalização, que ataca qualquer ser humano, que não respeita os princípios éticos, morais e constitucionais das pessoas, mesmo com a ausência de violência física.
            De acordo com Andrade (2007) 
São consideradas condutas comuns de assédio moral: dar instruções confusas e imprecisas ao trabalhador; dificultar o trabalho; atribuir erros imaginários ao trabalhador; exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes; impor sobrecarga de tarefas; ignorar a presença do trabalhador ou não cumprimentá-lo ou, ainda, não lhe dirigir a palavra na frente dos outros, deliberadamente; fazer críticas ou brincadeiras de mau gosto ao trabalhador em público; impor horários injustificados; retirar injustificadamente o instrumento de trabalho; agredir física ou verbalmente o trabalhador, quando estão sós o assediador e a vítima; promover revista vexatória; restringir o uso de sanitários; provocar insultos, ameaças e isolamento.
            Considerações finais
            O assédio moral surge como abuso de poder entre relações hierárquicas verticais e horizontais ou até mesmo entre colegas de trabalho e propaga-se, muitas vezes, pela falta de informação e  de denúncia das vítimas e para minimizar esses problemas, hoje o trabalhador pode contar com a ajuda de médicos, psicólogos que o ajudarão a enfrentar essa crise dentro de um ambiente de desgaste físico e mental no seu trabalho.
            Além do mais, o trabalhador também conta com a ajuda de entidades que podem ajudar, tais como Justiça do trabalho, Conselhos Regionais, Comissão de Direitos Humanos e Sindicatos de Classe, que poderão dar respaldo jurídico para as vítimas desse abuso. Por isso, é importante também que a vitima do assédio moral, nunca se isole, que tenha em seus companheiros de profissão e de trabalho, aliados e amigos, que terão papel fundamental na recuperação deste trauma que nem sempre será difícil de ser superado.
  Referências
ANDRADE, R. S. Terrorismo no trabalho: Banco é condenado a pagar R$ 600 mil por assédio moral .   Acesso em:  20 de dezembro de 2007.
LACANNA, M. L.  Estressores Organizacionais.     Acesso em:   5 de outubro de 2008.
LOPER, A Doutrina: assédio moral no trabalho: o ilícito silencioso.   Acesso em: 13 de outubro de 2008.
MARINO, A. E.  Alerta: estresse ocupacional é coisa séria.  :  Acesso em: 12 de outubro de 2008.
* Bacharel em Biblioteconomia pela Faculdade de Biblioteconomia e Documentação da Universidade de São Paulo. Bibliotecária pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
**Psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) e doutorando do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). E-mail de contato com o autor: thalmeida@usp.br

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