A FUNÇÃO ECOLÓGICA DA FANTASIA
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No post de hoje, tenho o prazer de dar a fala a um dos nossos autores: Henrique Susin Scopel. Espero que façam bom proveito da discussão que ele traz nesta sexta-feira.
Fico muito feliz por estar escrevendo este texto para o blog da minha editora favorita: a FLYVE. Acredito que antes de iniciar, devo realizar uma rápida apresentação. Para quem não me conhece, me chamo Henrique, sou o autor de Crônicas de Arauver, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul, e escritor da casa há dois anos.
Quando recebi esse convite, pensei bastante sobre o que poderia escrever, e decidi unir duas grandes paixões da minha vida: fantasia e ecologia. Mas o que isso tem a ver? A relação é profunda, talvez um pouco escondida, mas com certeza real.
O objetivo do texto é trazer, por meio de alguns exemplos, a função educacional ecológica presente nas fantasias e fábulas que consumimos diariamente, e como elas podem auxiliar no despertar para a consciência ambiental dos leitores.
Inicio falando da minha história com ambos os temas, pois o primeiro contato que tive com o tema da ecologia foi, por incrível que pareça, ao ler Senhor dos Anéis. Não passava de um jovem de doze anos, mas quando visitei os capítulos onde observamos a destruição de Isengard na Floresta dos Ents, algo dentro de mim despertou. Essa revolta pelo fim da natureza em prol de um meio de produção me fez buscar mais sobre a preservação e o meio ambiente.
Entretanto, a relação da fantasia com a ecologia não se resume a esse curto relato pessoal. A fantasia e a ficção, na grande maioria, abordam o tema de preservação direta ou indiretamente.
Podemos refletir com grandes livros, além do já citado Senhor dos Anéis, como A Utopia. Quando Thomas More escreveu esse clássico no século XVI, termos como "fantasia" ou "ficção científica" ainda não existiam dentro do mercado literário como nos dias de hoje, porém sua obra com certeza é uma produção fantástica. Nas páginas do livro, somos apresentados a uma sociedade acima de qualquer problema, que vive em união e paz, uma perfeita utopia. É possível notar que a sociedade perfeita e utópica só foi alcançada por uma forma de vida humana em harmonia com a natureza, uma vida humana sustentável. O autor não deixa isso explícito, mas é visível nas descrições como a natureza é respeitada e tratada como companheira, não como mero objeto a ser utilizado.
Avançando um pouco no tempo, gostaria de trazer a obra Um Cântico para Leibowitz, de Walter M. Miller Jr. O livro, considerado um dos maiores clássicos da ficção científica, foi escrito em 1959 e acompanha um mosteiro católico, em um cenário pós-apocalíptico, localizado em um deserto no território dos antigos Estados Unidos, depois de uma Guerra Nuclear, que praticamente destruiu a humanidade. O ponto principal do livro é a força destrutiva que a humanidade carrega, que afeta tanto a si quanto ao ambiente que lhe acolhe. Ao contrário do pensamento do protagonista final da história “sic transit mundus”, o livro nos faz refletir como devemos evitar cenários como o dele, e também como a tecnologia ou as questões financeiras jamais substituirão nossa casa natural.
No campo da fantasia medieval moderna, um grande exemplo de pensamento ecológico como pano de fundo é a saga The Witcher, do polonês Andrej Sapkowski. A série de oito livros encantadores, três jogos incríveis e uma série deplorável da Netflix, tem como fundo a imparável sede de conquista dos humanos e o caminho de devastação e esquecimento que isso leva.
Para quem não é familiarizado com a obra, os humanos, no continente em que se passa a história, são invasores e levam à extinção muitas espécies locais (os monstros que os bruxos caçam). Além disso, perseguem as raças locais e destroem seus santuários antigos. Todo esse conflito leva a uma espiral de problemas sociais e falta de recursos que aparecem como pano de fundo da história de Geralt.
Poderia ser um pouco mais corajoso e falar de uma obra essencial no âmbito da luta pelo meio ambiente: A Primavera Silenciosa (1962), de Rachel Carson. Tal obra foi de suma importância para o conhecimento do mundo sobre a má utilização de produtos tóxicos e em como eles impactam o meio ambiente e a própria raça humana.
Alguns de vocês devem estar se perguntando qual a relação desse livro com a fantasia. Explicarei com um breve resumo: Rachel inicia o livro trazendo uma história de um local onde o uso de agrotóxicos era tão absurdo e normalizado que tais produtos acabaram matando os pássaros, fazendo com que a primavera se tornasse silenciosa e ocasionando outros impactos no ecossistema do local. Ao escrever sobre essa primavera silenciosa, Carson não estaria utilizando o recurso fantástico para alertar sobre as questões ecológicas? A resposta é óbvia.
Os exemplos não acabam por aqui. Eu poderia escrever centenas de páginas sobre o assunto, analisando a relação entre obras de fantasia e o pensamento ecológico. Entretanto, por se tratar de um texto para blog, não quero me alongar muito. Caso seja de interesse, retorno para falar mais disso no futuro.
Acredito que o ponto tenha sido provado, a fantasia pode ser ferramenta para alerta e educação ecológica, com autores utilizando a temática consciente ou inconscientemente. Na situação em que vivemos, quanto mais recursos pudermos utilizar em favor do meio ambiente, melhor. A humanidade vivendo em união com a natureza não pode ser somente fantasia.
Henrique Susin Scopel, escritor e mestrando em Direito Ambiental
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