quinta-feira, 30 de junho de 2016

COMO REALIZAR ESTUDO DE USO E USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO?

[Junho/2016]

No campo da Biblioteconomia e Ciência da Informação, o setor de estudo de usuários, usuários da informação e/ou estudo de comunidades e usuários têm se constituído como um dos mais efervescentes no desenvolvimento de pesquisas e práticas técnico-científicas desde a década de 1970 até os dias mais atuais.

No entanto, a mesma condição no contexto da pesquisa e prática técnico-científica não ocorre na prática profissional do bibliotecário quando se trata da realização de estudo de usuários. Há um conjunto de razões pelas quais ocorre desproporção entre pesquisa e prática profissional sobre estudo de usuários, a saber:

a)    embora os estudos de usuários tenham se desenvolvido de forma latente no âmbito dos sujeitos e não somente dos sistemas, ainda é comum nas mentalidades organizacionais o foco no sistema (ambiente de informação) em detrimento do foco nos sujeitos da informação;
b)    os estudos de usuários são vistos como atividades eminentemente especializadas e formais, visto que estão pautados na aplicação de métodos e técnicas de pesquisa para sistemas e sujeitos, o que demanda tempo e esforço intelectual de uma equipe para realização, o que muitos ambientes de informação não dispõem;
c)     os estudos de usuários envolvem uma lógica de negociação entre a comunidade de usuários e a organização, tendo o bibliotecário como mediador e nem sempre a organização está apta a implementar mudanças solicitadas pelos usuários;
d)    como a organização nem sempre está disposta a mudanças, pode haver inibição do bibliotecário em expor seu trabalho e perspectivas de avaliação sobre o fazer do ambiente de informação, o que pode expor de maneira negativa a atuação do bibliotecário;
e)    os estudos de usuários demandam formas diversas de realização como identificação de necessidades de informação, satisfação, planejamento de serviços, qualidade do acervo, entre outros aspectos que não são facilmente identificáveis e apresentam certas dificuldades de resolução.

Diante de tantos aspectos potencialmente negativos, por quais motivos é pertinente a realização de estudo de usuários em ambientes de informação dos mais diversos tipos?

A primeira pertinência ou vantagem incide sobre a aproximação entre ambiente de informação e usuários (sujeitos da informação) mediada pelo bibliotecário e equipe no sentido de promover uma mudança cultural na forma como estes sujeitos observam o ambiente de informação. A partir do momento em que os sujeitos são conclamados a participarem e se posicionarem, há uma potencialização reflexiva nestes sujeitos de que o ambiente de informação não é um espaço hermético, estanque e burocrático, mas que está apto ao diálogo, interação e construção coletiva de práticas informacionais.

A segunda pertinência é que os estudos de usuários não necessariamente precisam se constituir a partir de práticas formais, mas por meio de diálogos informais entre bibliotecários e sujeitos da informação, observações sobre os sujeitos, acervos, serviços e a própria gestão do ambiente de informação, há uma fluência dos estudos de usuários como forma do bibliotecário compreender estratégias de ação informacional.

A terceira pertinência é que os estudos de usuários podem se constituir como meio institucionalizado do bibliotecário negociar junto à organização em que atua (escola, universidade, empresas, bancos, indústrias, hospitais, repartição pública etc.) perspectivas de mudanças, aprimoramentos, intervenções e interferências do ambiente de informação no cotidiano dos sujeitos da informação. Um ambiente de informação, em especial, biblioteca que conta com a efetiva cobrança e participação dos sujeitos que a utilizam pode ser aliado para que a organização estabeleça um olhar mais cauto e planejado para a cultura organizacional do ambiente de informação.

A quarta pertinência está situada na condição de um conhecimento do ambiente de informação sobre si mesmo, assim como sobre o aprimoramento dos procedimentos de atuação do ambiente de informação. Com estudo de usuários é possível perceber deficiências e perspectivas do ambiente de informação, assim como estabelecer um olhar mais amplo sobre a comunidade a fim de otimizar melhores serviços e, principalmente, de estreitar parcerias com a própria comunidade a fim de dinamizar as práticas informacionais do ambiente de informação que pode envolver contribuição dos sujeitos na realização dos serviços, captação de recursos humanos e financeiros com organizações e sujeitos externos ao ambiente de informação promovendo relativa sustentabilidade diante da organização em que está inserida (escola, universidade, empresas, bancos, indústrias, hospitais, repartição pública etc.).

De certo modo, há duas grandes possibilidades de realização de estudos de usuários: estudo de uso de um ambiente de informação (abordagem tradicional voltada para o sistema) ou estudo voltado para o usuário em si (abordagem sócio-cognitiva pautada nos sujeitos contemplando necessidades de informação e perspectivas de satisfação).

Considerando esta breve exposição sobre estudo de uso e usuários vale destacar que há um conjunto de razões muito promissoras para realiza-los no que tange ao desenvolvimento do ambiente de informação como um todo (acervo/dinamização do acervo, serviços de informação, gestão da informação, planejamento uso de tecnologias, necessidades de informação, satisfação dos usuários, entre outros).

Desse modo, como é possível realizar estudo de uso e usuários em ambientes de informação, visando produzir efeitos exponenciais para dinamização das práticas informacionais? O quadro abaixo indica possíveis setores, estratégias e finalidades dos estudos de uso e usuários em ambientes de informação.

Setor
Estratégia/Procedimento
Finalidade
Acervo

- Análise documental
- Análise de conteúdo categorizando o acervo da biblioteca
- Identificação dos itens mais utilizados
- Identificação de múltiplos suportes (impresso, digital ou virtual) a serem utilizados nas bibliotecas como materiais bibliográficos, documentais, iconográficos, audiovisuais etc.
- Realização de entrevistas e aplicação de questionários/formulários com a comunidade para avaliação do acervo;
- Uso de metodologias para políticas de acervo;
- Formação de uma comissão entre os diversos sujeitos da comunidade para discutir sobre formas de constituição do acervo da biblioteca.

Dinamização do acervo do ambiente de informação, especialmente a biblioteca.
Catálogo
- Verificação de catálogos de biblioteca referência em nível global e nacional;
- Orientação/treinamento aos usuários para uso adequado do catálogo;
- Orientação aos usuários para uso de diversos itens bibliográficos como catálogos, cabeçalhos de assunto, bibliografias, bases de dados, etc.);
- Realização de entrevistas e aplicação de questionários/formulários com a comunidade para avaliação do catálogo;
- Formação de uma comissão entre bibliotecários e especialistas da comunidade para definição dos termos mais adequados para uso no catálogo.
Avaliação da eficácia do catálogo no processo de busca, localização e uso de um item no ambiente de informação.
Tecnologias
- Teorias e práticas de usabilidade para o estímulo de uso de sistemas de informação
- Técnicas para identificação do comportamento dos usuários em ambientes virtuais no contexto da teoria Behaviorista
- Aplicação de técnicas para interação entre usuários e sistemas de informação com base em estudos e práticas de arquitetura da informação.
Práticas de uso de conteúdos em ambientes digitais/virtuais
Serviços
- Realização de técnicas como entrevistas, questionários, formulários, grupo focal, técnica do incidente crítico, etc. para:
a) planejamento dos serviços;
b) avaliação dos serviços;
c) proposição de novos serviços;
d) necessidades de novos serviços;
e) satisfação dos serviços;
f) tipificação e execução de serviços, tais como: serviço de referência e informação, serviço de alerta, serviço de informação utilitária, disseminação seletiva da informação (DSI), ação cultural, entre outros.
- Uso e apropriação dos serviços de informação pelos usuários
- Eficácia dos serviços de informação

Planejamento
- Realização de técnicas como entrevistas, questionários, formulários, grupo focal, técnica do incidente crítico, etc. para:
a) gestão da informação na biblioteca;
b) serviços de informação;
c) políticas de acervo;
d) uso de tecnologias;
e) planejamento de pessoal.
- Dinamização das práticas de planejamento do ambiente de informação
- Participação dos usuários da informação no planejamento do ambiente de informação.
Sujeitos
Aplicação de métodos e técnicas focalizadas nos sujeitos da informação, a saber:
a) questionários
b) entrevistas
c) formulários
d) grupo focal
e) técnica de Delphos
d) Survey
f) Técnica do incidente crítico
g) sense making
h) modelo de valor agregado da informação
i) modelo de Kuhlthau
j) aplicações fenomenológicas
k) uso da hermenêutica
l) etnometodologia
m) práticas informais e diretas com o usuário como caixa de sugestões, observações indiretas, diálogos cotidianos, recado em murais, dicas por e-mail, sistema de informação, rede social, blog etc.

- identificação de necessidades de informação
- satisfação dos usuários da informação
- participação do usuário nos serviços e planejamento dos ambientes de informação
- comportamento dos usuários
- competência em informação dos usuários
- domínio do usuário sobre o uso do ambiente de informação de uma forma geral
- expressão cotidiana do usuário sobre práticas gerais do ambiente de informação
- cooperação entre usuário e ambiente de informação/profissional da informação
Quadro 1: Estudo de uso e usuários em bibliotecas
Fonte: elaborado pelo autor


Os estudos de uso e usuários em biblioteca, tanto podem estabelecer uma estratégia formal (técnicas e métodos especializados), quanto podem ser informais (oportunização do ambiente de informação para o que o usuário expresse suas mais diversas percepções sobre a atuação do ambiente de informação.

No entanto, é pertinente que o ambiente de informação inicie a ação sobre uso e usuários da informação pelo desenvolvimento de práticas informais como diálogos cotidianos, espaços em redes virtuais como blogs, sistemas, sites, redes sociais etc. a fim de dar ao usuário subsídios objetivos de participação e expressão.

As práticas informais podem fornecer dados vitais sobre quais usuários mais têm interesse de participar da construção das práticas informacionais do ambiente de informação e como buscam participar, visando, a posteriori, a formalização de práticas especializadas via métodos e técnicas para cooperação mais concreta entre representantes da comunidade de usuários, o ambiente de informação e sua equipe de profissionais considerando aspectos como acervo, catálogo, tecnologia, serviços, planejamento e a própria expressão dos sujeitos que compõem o uso do ambiente de informação (sujeito mediador que é o bibliotecário e a sua equipe e sujeito usuário).

http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=984

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