quarta-feira, 6 de março de 2013

Morador do interior de Minas surpreende com romance de estreia ambicioso


Morador do interior de Minas surpreende com romance de estreia ambicioso


http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1240034-escritor-estreante-do-interior-de-minas-surpreende-com-romance-ambicioso.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1240034-escritor-estreante-do-interior-de-minas-surpreende-com-romance-ambicioso.shtml
MARCO RODRIGO ALMEIDA
ENVIADO ESPECIAL A ARCEBURGO (MG)


Vem de Arceburgo, cidade mineira de quase dez mil habitantes e nenhuma livraria, uma das grandes surpresas da literatura brasileira nos últimos anos.
Na biblioteca de uma casa no centro da cidade, perto de uma igreja e de uma praça, Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira dedicou-se nos últimos dez anos, quase sempre pelas manhãs, após uma reforçada xícara de café, a escrever o seu primeiro romance.
"As Visitas que Hoje Estamos" foi publicado pela editora Iluminuras, no final do ano passado, com pouco alarde.
Do ponto de vista comercial, o livro não inspirava um cenário dos mais animadores: o título é estranho, o autor é desconhecido, tem quase 500 páginas, dezenas de narradores e mistura vários gêneros -romance, poesia, teatro, aforismo e conto.
Mas, desde que o professor de teoria literária da PUC Luiz Costa Lima publicou uma resenha elogiosa sobre o livro no jornal "Valor Econômico", em janeiro, o trabalho de Ferreira atraiu a atenção e recebeu palavras de louvor de críticos e artistas.
Marcelo Justo/Folhapress
Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira na biblioteca de sua casa, em Arceburgo (Minas Gerais), onde escreveu seu livro
Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira na biblioteca de sua casa, em Arceburgo (Minas Gerais), onde escreveu seu livro
O texto de Costa Lima tinha o título "Uma grande surpresa". Trocando em miúdos, defende que o livro traz uma linguagem rural inédita na literatura brasileira, diferente tanto da tendência naturalista quanto dos experimentalismos de Guimarães Rosa.
"Fiquei muito impressionado", disse o professor à Folha. "E também curioso. Ele mora no interior, numa cidade da qual nunca ouvi falar. Qual é mesmo o nome?"
Arceburgo fica a quase 290 km de São Paulo. Parece a típica imagem de uma cidade mineira: tranquila, com ruas de paralelepípedo, igreja vistosa, festas religiosas e repleta de "causos".
Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira, 47, nasceu na vizinha Mococa (SP), mas desde a adolescência frequentava Arceburgo. Há quase 30 anos, na festa de São João, conheceu Ana Lúcia, sua futura mulher.
De Mococa, ele saltou para São Paulo quando passou no curso de letras da USP. Tudo levava a crer que teria uma carreira no mundo acadêmico, mas decidiu abandonar o mestrado e São Paulo.
"O ambiente acadêmico e a própria cidade estavam desagradáveis. Eu gosto de sossego", conta ele, em sua biblioteca de 7.000 livros.
MACHADO E GUIMARÃES
Em 1994 casou-se com Ana, mudou-se para Arceburgo e virou comerciante. O ganha-pão do casal vem da papelaria Lojinha 7 e da loja de roupas Yog. A casa em que moram fica exatamente no meio das duas lojas.
"Vim para não fazer nada, mas nem isso mais é possível hoje em dia", diz ele. Nos dois primeiros anos ele bem tentou, mas a vontade de escrever foi surgindo, aos poucos.
De fato vagarosamente. O primeiro livro, a coletânea de poemas "Peixe e Míngua", saiu em 2003. O segundo, "As Visitas que Hoje Estamos", tomou-lhe dez anos. As longas gestações são resultado da ausência de pressa e da enorme ambição de Ferreira.
"Vamos pensar nos nossos dois grandes nomes. Machado de Assis escreveu sobre o Brasil urbano. Guimarães Rosa, sobre o Brasil rural. Acho que faltava abordar de que forma a cidade e o campo se confluíram para a formação do país. Esse era meu objetivo com esse romance", diz.
A ideia nasceu, em parte, da própria trajetória de Ferreira, de São Paulo para Arceburgo. O romance não traz propriamente um enredo. É composto por vários relatos, narrados por diversos personagens. Muitos nasceram de histórias que ouviu de clientes de suas lojas.
Há no livro, por exemplo, uma velha às vésperas da morte, um escritor comentando o próprio trabalho, um suicida. Todos deslocados em seu próprios meios.
"O título do livro se refere a isso", explica. "'Estar visita' evoca uma situação desconfortável, de não se identificar com lugar algum."
Ferreira, por sua parte, segue satisfeito com sua Arceburgo. Pelas manhãs, ele já escreve o próximo romance. Com muita ambição e pouca pressa, como de costume.
+ LIVRARIA

Nenhum comentário: