quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LER É DIFÍCIL


Ricardo Queiróz Pinheiro
“Somos inacabados e a leitura ameniza e intensifica isso” – inicio com as palavras do professor e velho amigo de batalhas, Oswaldo Almeida Junior, e adianto: não tenho uma nova fórmula para solucionar as deficiências da área de leitura, da formação de leitores no Brasil, o que trago aqui são ponderações muito específicas, com todos os limites que elas carregam.

Começo com os reflexos das palavras iniciais: amenizar e intensificar. Elas não são apenas a representação do ato solitário de ler, elas podem ser utilizadas sem vaticínios na dimensão pública do universo da leitura, daí passam a abarcar o coletivo e vão além do ato exclusivo e isolado do leitor.

E quando nos referimos à leitura, a história nos fornece registros desse ir e vir entre o individual e o coletivo, as histórias compartilhadas em registros diversos, de início na memória, no boca a boca, para logo após se massificar e ironicamente passar a ser ato isolado por conta das novas técnicas.

Desloco rápido, o pensamento para o ano de 2003, Brasil quando foi implantada a “Lei do Livro”, resumindo suas intenções e implicações, em tese ela incide diretamente na desoneração e no consequente barateamento do objeto livro, contiguo a isso foi instituído um Fundo suprido por 1% das vendas de livros no país que seria depositado pelo mercado editorial e utilizado nas políticas públicas de fomento à leitura.

Pincei um exemplo e deixo um hiato para que pensemos…

Dez anos e alguns meses depois e o preço médio de capa do livro não sofreu os efeitos dessa desoneração, continua caro e elitizado, e o referido fundo segue tímido atolado no descumprimento da lei e nesse sentimento naturalizado de que ignorar regras é um comportamento aceitável.

Por que o mercado editorial e a cadeia do livro ignorou a referida Lei 11.030? Ela tem falhas, ela subestimou as regras do mercado, ela não foi pactuada a contexto, ela não serve para a conjuntura? Reconhecer uma contradição e dissecá-la é o primeiro passo para intervir e modificar uma realidade, mas há real interesse. A ver.

O livro é um objeto unânime, tirante as patologias históricas que mais pelos seus conteúdos, subjetividade e eventual transgressão do que pela forma, o demoniza e o destrói em certas conjunturas, ele é visto de forma positiva pela sociedade. Ler é “virtude” não assumida, é bom sempre para o “outro”, podemos dizer que existe um certo cinismo nos discursos de apologia aos benefícios da leitura.

O ato da leitura não implica necessariamente nesse prazer desprendido e cheio de leveza, leitura é hábito, e antes de tudo, é hábito que se adquire arduamente, depende de trabalho, depende de esforço e dedicação. E é nesse aspecto que a apologia fácil se torna falsa, quem a profere, quem a repete assume que a leitura depende desse dispêndio de energia, de disciplina ou apenas joga palavras ao vento para reforçar um falso consenso?

O fato é que essa retórica, essa ladainha incide diretamente nas políticas públicas e nos marcos legais do livro e da leitura, a roupagem do lúdico, do prazeroso, do frugal encobre a dura realidade do universo leitor, palavras lindas e leves não resolvem as questões da democratização, acesso e circulação, e acaba acomodando tudo na seara das boas intenções e se adia reiteradamente para um constante amanhã.

Outro fator inexorável: a leitura tem um custo material, e o custo nela embutido está implicado diretamente no preço de capa do livro e no custeio do universo do livro e leitura (indústria, profissionais, maquina pública etc.), nesse baile circula o público e o privado – muitas vezes com seus papéis distorcidos e misturados, como é de costume nessa realidade de ideologias difusas – no topo dessa torre de babel é decidido o rumo dos recursos públicos aplicados.

Volto então aos verbos do Oswaldo (desculpem a banalização das palavras do amigo), amenizar, sim, amenizar com leis e ações práticas, mas nunca esquecer que a intensificação das cobranças, dos resultados e das consequências nos mostram um quadro praticamente inalterado na democratização da leitura. As leis, os divisores de água, os marcos legais fazem aniversário como tudo, e nesse caso, o que nos cabe é comemorar com cobrança.

E quem convocar para fazer a devida cobrança das leis não cumpridas? Quem encabeça a lista: bibliotecários, professores, escritores (principalmente os “não contemplados”), leitores, como juntar pessoas e mesmo grupos que agem isolados?

O ano de 2014 é ano de eleição no nível federal e estadual, ano de rediscutir as políticas públicas e as prioridades em todas as áreas, uma boa oportunidade para avaliar o que é real, o que é promessa, o que é de fato, o que é discurso, o que é leve, o que é pesado. Como disse acima, leitura dá trabalho e exige dedicação e empenho, momento de unir o ameno ao intenso e dar rumo a essa prosa solta.

 Sobre Ricardo Queiróz Pinheiro
Bibliotecário - Trabalho pela democratização da informação e do conhecimento. Formado em biblioteconomia, 1994 na FESPSP, atuo em biblioteca pública há 15 anos em São Bernardo do Campo.

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