sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

RDA EM UM BREVE PANORAMA PESSOAL – PARTE I (III)

RDA EM UM BREVE PANORAMA PESSOAL – PARTE I (III)

[Dezembro/2013]

No mês de novembro de 2013, tive a oportunidade de participar de encontro para explanar sobre a RDA (Recursos: Descrição e Acesso). Foi uma apresentação panorâmica sobre o tema, entretanto, segundo os promotores, o público não gostou por ter sido muito longa e pouco atrativa. Assim, introduzo este preâmbulo até para preparar o leitor diante do texto baseado na mencionada explanação. Que ao menos na forma de texto possa estar mais palatável. Outro aspecto refere-se ao fato de que falar sobre catalogação, na atualidade, é discorrer sobre várias mudanças pouco assimiláveis em um primeiro momento. Mudanças que se sobrepõem ao reconfigurar de forma contínua o ambiente bibliográfico. A impressão é de certa instabilidade na consolidação de determinados padrões apresentados como atuais ou, até mesmo, assegurar a consistência dos tradicionais. Tudo porque o universo digital se expande.

Há alguns poucos anos atrás, no século 20, a comunidade bibliotecária norte-americana desenvolvia um formato para o intercâmbio de seus registros bibliográficos. Neste acontecimento, o catálogo bibliográfico impresso estava muito presente entre os bibliotecários e os seus usuários. Enquanto o formato era projetado e aplicado, o mundo claramente estava delimitado em fronteiras geográficas políticas, culturais e informacionais.

Na atualidade, entre o trabalho do bibliotecário e os seus usuários, há a tecnologia como ferramental transformador, e que potencializa os processos e produtos de informação. São mudanças que fragmentam o mundo nos seus limites fronteiriços da cultura e da informação registrada. Um cenário no qual o comportamento das pessoas também é moldado pelo uso tecnológico.

Se antes a informação bibliográfica era visualizada e acessada por meio de uma cartela opaca de 7 x 12,5, agora ela é lida em telas de displays coloridos com tamanhos variados. Uma janela pela qual as pessoas conectam-se com a informação do mundo. Um mundo no qual as pessoas se ligam às outras. A web, hoje, é o espaço onde não basta a biblioteca simplesmente estar, ela precisa ter serviços, produtos e políticas da web.

É neste cenário no qual o universo bibliográfico se expande não só em livros mas, segundo Tillet (2008), um universo que se desdobra em muitas galáxias e mundos de conteúdo. A internet não é sentença de morte da biblioteconomia, ao contrário há um potencial inexplorado para o trabalho bibliotecário e, neste aspecto, é importante readequar nossos métodos, desenvolver outros novos para melhor navegar na galáxia da informação extrema.

Como os conteúdos ganham novas configurações de acesso e uso, outro impacto das mudanças é determinante para a catalogação (como já mencionado), ainda mais com a fragmentação da informação na web. Se antes os padrões bibliográficos tradicionais trocavam blocos de registros, a nova norma catalográfica – RDA – orienta-se ao ambiente digital, para relação dos dados bibliográficos, emerge então o conceito dos dados ligados (linked data).

Mas por que a RDA? Porque é um novo padrão necessário para descrever recursos digitais e melhor prover sua descoberta; é aplicável até mesmo em processo de catalogação tradicional, apesar de substituir o AACR2r; é orientado aos usuários (da web); oferece vocabulário controlado mais específico; permite que as máquinas manipulem mais dados bibliográficos; identifica elementos para descrever inter-relacionamentos; detalha no registro as edições, traduções, formato alternativo e o criador; determina regras para o controle de autoridade melhorando os pontos de acesso; fornece estrutura semântica para o esquema conceitual do FRBR (Requisitos Funcionais para Registros Bibliográficos) e FRAD (Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade), entre outros aspectos que a justificam.

Além dos motivos listados há as limitações da AACR2, uma norma concebida no contexto dos catálogos em fichas, e cujas regras mostram-se inadequadas à descrição de novos tipos de recursos, em especial os recursos eletrônicos inseridos no ambiente digital. A AACR2 como concebida, por si só, não permite servir de ponte entre o ambiente analógico e o digital, precisou ser reconfigurada.

Assim, as mudanças na área catalográfica não renegam o legado passado que substitui. A RDA se constrói com bases nos alicerces da AACR2. Preserva a compatibilidade com os dados herdados dos registros AACR2, bem como os dados bibliográficos em RDA podem ser codificados no mesmo padrão MARC 21 utilizado pela AACR2. Como observa Olivier (2011), há preocupação com a necessidade de a norma servir de ponte entre ambientes (de outrora e do futuro) e que nem todas as bibliotecas seguirão no mesmo ritmo a caminho dos novos ambientes digitais.

Para o catalogador a substituição de uma norma por outra traz mudanças terminológicas, a saber:

§  Designação Geral do Material (DGM) da AACR2 não é usada na RDA que adota tipo de mídia, de suporte e de conteúdo. 
§  Cabeçalho agora é ponto de acesso.
§  Remissa VER agora é ponto de acesso variante.
§  Título Uniforme agora é título preferido para obra.
§  Quando o título preferido está vinculado com o criador da obra, temos um ponto de acesso preferido para a obra.
§  Descrição Física agora é descrição do suporte, diferente do termo tipo de suporte que substitui o antigo DGM.

Novos termos também se agregam ao vocabulário e práticas do catalogador, como: entities(entidades); attributes (atributos); relationships (relacionamentos); data elements (elementos de dados); core elements (elementos essenciais); linked data (dados ligados); além dos modelos FRBR e FRAD, entre outras terminologias relacionadas à web semântica, e em sua maioria oriundas da computação.

Apesar da oficialização e promoção da RDA, existem críticas à norma, desde a sua intenção que vai longe demais, como a de pretender servir várias comunidades ligadas à organização da informação; bem como a outras intenções que não avançam, como a falta de definição de capítulos do próprio documento normativos, ainda incompleto.

Agregam-se também preocupações sobre o custo/benefício de adesão ao uso do código, em especial ao seu modelo de negócio de comercialização do acesso e uso. Neste sentido, há preocupação sobre como a RDA impacta os fluxos de trabalho das bibliotecas, aliada às questões de treinamento e aprendizagem. Se nos Estados Unidos as bibliotecas têm uma realidade econômica melhor definida, no Brasil a realidade é oposta, notadamente as bibliotecas do segmento público.

A RDA a exemplo da AACR2, se consolida como documento oficial e institucional. É desenvolvida pelo Joint Steering Committee (JSC) for Development of RDA, com representantes das seguintes entidades bibliotecárias:

§  Chartered Institute of Library and Information Professionals (CILIP),

A supervisão principal do projeto da RDA é realizada pelo Committee of Principals (CoP). O comitê é composto pela representação das seguintes entidades:

§  American Library Association,
§  Chartered Institute of Library and Information Professionals (CILIP),
§  Library of Congress,
§  British Library,

A RDA é um modelo de negócio, assim as entidades co-editoras fornecem suporte financeiro e de produção para a norma, e desta fazem parte:

§  American Library Association,
§  Canadian Library Association,
§  CILIP, whose publishing imprint is Facet Publishing (www.facetpublishing.co.uk).

A estrutura operacional de desenvolvimento da RDA, apesar de ter característica anglo-saxã, exemplificada por dois pontos: a importância das entidades de representação profissional, e a institucionalização do processo organizativo e deliberativo das políticas de organização e representação bibliográfica.

No Brasil, carecemos de uma estrutura mais integrada de nossas entidades representativas e agências bibliográficas de maior estrutura financeira. Imagine se as entidades como FEBAB,Biblioteca NacionalIBICTABECINCFB, as bibliotecas centrais das grandes universidades e as maiores bibliotecas públicas brasileiras, e cursos de biblioteconomia, além de agências de fomento firmassem um protocolo para a constituição de um comitê nacional de catalogação. Será que não teríamos um salto qualitativo de padrão bibliográfico no país? Será que não sairíamos da idade da ficha lascada em definitivo? Pode ser que sim ou não, o Brasil é muito desigual, mas certamente todos teríamos postura muito diferente para mudar e assimilar as mudanças. No mínimo um nova estrutura para o Bibliodata.

A este processo podem ser agregadas outras entidades da área, bem como de área congênere, da mesma forma que a RDA interage com outras comunidades como:

§  Museus,
§  Arquivos,
§  Editores,
§  Educadores,
§  Fornecedores de Software para Gestão de Bibliotecas,
§  Dublin Core – Metadados,
§  Outras Comunidades de web semântica.

Das comunidades listadas, é interessante ressaltar:

O Dublin Core e outras comunidades da web semântica, cuja colaboração visa comparar os modelos conceituais e padrões usados por cada uma delas. A Library of Congress Network Development Office & MARC Standards Office cujo envolvimento visa para garantir a compatibilidade do RDA com o MARC 21. E a comunidade editorial, que desenvolve uma lista terminológica, baseada no padrão ONIX orientado para uso das comunidades de bibliotecas e editoração, entre outras.

Como frisado, a RDA é um modelo de negócio com uma operação comercial diferente do modelo anterior da AACR2. Não se faz crítica ao certo ou errado, é um processo de sustentação da estrutura que mantém a norma. Mas para a realidade brasileira há um problema de condição financeira para grande parte das bibliotecas. Apesar de haver edições impressas, a melhor operação de consulta é on-line, e nesta forma a assinatura anual individual está fixada em US$195, já a institucional tem o custo de US$325, enquanto grupos de 5 usuários têm valor de US$435. Outra questão é que diferente da AACR2r com tradução literal, a tradução da RDA deveria ser contextualizada à realidade brasileira.

Figura 01 – Exemplo de tela de consulta da RDA on-line



A figura 01 ilustra a consulta à RDA por acesso on-line, o que dá uma ideia da sua flexibilidade e processo de atualização. Outro aspecto, refere-se a necessidade de atualização do catalogador. A RDA se estrutura sob uma base teórica e para a sua aplicação é necessário compreender alguns conceitos. Esses são construídos sobre modelos conceituais, desenvolvidos pela Federação Internacional de Associações de Bibliotecas e Instituições (IFLA), a saber:

§  Requisitos Funcionais para Dados Bibliográficos (Functional Requirements for Bibliographic Data – FRBR - 1998), e
§  Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade (Functional Requirements for Authority Data – FRAD - 2009).
§  Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade Assunto (Functional Requirements for Subject Authority Data – FRSAD)

FRBR e FRAD identificam as relações que uma obra pode ter com seu criador, e suas relações com quaisquer traduções, interpretações, adaptações ou formatos físicos dessa mesma obra e o controle dos pontos de acessos preferidos.  FRSAD trata da representação temática, com a escolha do ponto de acesso preferido para o assunto.

Ainda relacionado com o entendimento operacional da RDA, importante conhecer a AACR2, pois novos elementos são apresentados ou termos pouco claros no código anterior são agora reapresentados. Neste sentido são listados dentre outros:

§  Características do arquivo (recursos digitais),
§  Formato de vídeo,
§  Informação sobre custódia (recursos arquivísticos),
§  Características Braille dos recursos descritos,
§  URLs (Uniform Resource Locator/Localizador-Padrão de Recursos),
§  Identificadores de entidades (pessoas, corporações, obras), e
§  Idioma das pessoas, etc.

Ademais, a RDA não prescreve nenhum tipo de apresentação (bibliotecas podem usar a ISBD). O apêndice D da RDA estabelece diretrizes da ISBD, incluindo novas práticas não seguidas na AACR2r. O estilo de pontuação AACR2r (apêndice E) utilizado para apresentar os pontos de acesso por nomes.

Como a RDA, que não prescreve nenhum tipo de apresentação dos registros, os catalogadores podem incluir qualquer elemento adicional que seja necessário (em certos casos) para diferenciar recursos identificados com suportes e/ou informações assemelhadas. Também podem incluir outros elementos que, em sua opinião sejam necessários.

Em conformidade com a FRBR, a regra RDA 0.6.1 estipula que no mínimo, um registro que descreva um recurso deve incluir elementos essenciais aplicáveis para esse recurso. A descrição também deve incluir elementos adicionais necessários para diferenciar o recurso de qualquer outro semelhante.

A regra 0.6.2 - Seção 1: Registrando Atributos da Manifestação e o Item, lista os elementos essenciais:

§  Título
§  Indicação de Responsabilidade.
§  Indicação da Edição e Responsável edição
§  Numeração da Série
§  Indicação de Produção
§  Indicação de Publicação
§  Indicação de Distribuição
§  Indicação de Manufatura
§  Data de Publicação/Produção/Fabricação; Data de Copyright
§  Indicação de Série
§  Identificador para manifestação
§  Tipo de Suporte

Recomendações da FRBR e da RDA aparentemente sugerem que catalogadores busquem especificidade e diferenciação ao invés de generalização ao descrever um recurso.

Indicações de leitura:

Chris Oliver. Introdução à RDA : um guia básico. Brasília, DF : Briquet de Lemos / Livros, 2011.

Barbara Tillett. Cataloging principles and RDA: Resource description and access. The FRBR Blog, 2008. Disponível em: http://www.frbr.org/2008/07/16/barbara-tillett-rda-webcasts.
 Sobre Fernando Modesto
Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.

Entre em contato com Fernando Modesto, clicando AQUI.http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=804

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