terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

CONTROLO DE AUTORIDADE: NOVOS CONTEXTOS E SOLUÇÕES

http://purl.pt/331/1/docs/comunicacao/12manha/controlodeautoridade.doc
CONTROLO DE AUTORIDADE: NOVOS CONTEXTOS E SOLUÇÕES

Por:
Fernanda Maria Campos
Subdirectora da
Biblioteca Nacional

1. INTRODUÇÃO
A Catalogação é o processo através do qual se descreve, formalmente, um qualquer objecto, documento ou recurso, e se estabelece um número variado e variável de pontos de acesso à informação recolhida, a fim de que o utilizador final encontre, identifique, seleccione e obtenha a informação que pretende numa biblioteca, num catálogo, numa base de dados.
A Catalogação tem a ver com a ordem, a lógica, a objectividade, a indicação precisa e a consistência, e necessita, por consequência, de mecanismos que assegurem esses atributos.
Um registo catalográfico consiste em três partes:
 o ponto de acesso
 a descrição bibliográfica
 a localização ou (para os recursos digitais) o próprio documento.
O ponto de acesso encaminha o utilizador para o registo; a descrição permite-lhe decidir se o recurso descrito interessa ou não e a localização conduz o utilizador para o documento desejado.
Esta formulação simples é a base de toda a Catalogação. Não obstante, cada elemento do registo catalográfico obedece a normalização.
Assim, a descrição faz-se de acordo com princípios pré-estabelecidos que determinam quais os elementos relevantes a registar e a ordem pela qual se devem apresentar. A normalização ISBD (Descrição Bibliográfica Internacional Normalizada) é a mais conhecida e universalmente utilizada.
A localização obedece também a formas normalizadas, ainda que sem expressão nacional ou internacional, antes seguindo esquemas pré-determinados localmente.
A excepção é a formulação para a localização de recursos electrónicos, essa sim sujeita a regras internacionalmente aceites.
Já no que respeita aos pontos de acesso, a situação é diferente. Com efeito, para garantir que o utilizador do catálogo encontre um registo e/ou possa agrupar registos que partilham uma característica comum, é preciso que a formulação dos pontos de acesso seja normalizada, ou seja, é necessário que exista controlo de autoridade.

2. O QUE É O CONTROLO DE AUTORIDADE
O controlo de autoridade tem como objectivos gerais:
 a criação e manutenção de registos de autoridade que validam o trabalho do catalogador e a qualidade do catálogo;
 a provisão de um acesso à informação fiável e consistente.
O registo de autoridade, durante o tempo do catálogo em fichas, continha a forma autorizada para um cabeçalho e, noutras entradas, registavam-se as formas variantes autorizadas (como entradas remissivas “Veja também”) e as formas rejeitadas (como entradas remissivas “Veja”). O ficheiro de autoridade praticamente só existia em bibliotecas de grande porte, sendo em muitos casos o próprio ficheiro bibliográfico a fonte de informação sobre a(s) forma(s) autorizadas(s) e as formas rejeitadas.
O uso de formas consistentes nos cabeçalhos, consagrado pelos Princípios de Paris, 1961, proporcionavam às bibliotecas a possibilidade de, ao mesmo tempo, evitar informação inconsistente para o utilizador e facilitar o trabalho do catalogador. Os resultados eram tanto ou mais apreciados quanto, para além das entradas propriamente ditas, os registos de autoridade continham notas sobre as fontes utilizadas para estabelecer a forma autorizada ou para explicar a identidade de determinada pessoa de forma a poder distingui-la de outras com nome semelhante.
Esta tradição encontrou facilidades acrescidas no contexto automatizado e o registo de autoridade, concomitantemente com o ficheiro de autoridade, passou a ser uma peça fundamental na validação dos pontos de acesso.
Essencialmente, podemos afirmar que o papel do registo de autoridade se reveste de cinco componentes:
 Regista a forma normalizada de cada ponto de acesso.
 Possibilita o agrupamento de todos os registos com o mesmo ponto de acesso.
 Garante a normalização dos registos no catálogo.
 Documenta as decisões tomadas e as fontes utilizadas para estabelecer os pontos de acesso.
 Regista todas as formas do ponto de acesso que não a escolhida como normativa.
 Documenta outras formas usadas para o ponto de acesso (como formas anteriores do nome) de modo a servir de orientação para o catalogador.
Nos catálogos em fichas e outros pré-OPAC, o registo de autoridade existia, na maioria dos casos, só implicitamente, como atrás referimos. O cabeçalho utilizado era a sua manifestação evidente. Os catálogos em linha obrigam, não raro, à formulação explícita de registos de autoridade ligados às entradas do catálogo e contendo, pelo menos, os elementos que a seguir indicamos:
 o ponto de acesso normalizado
 todas as formas remissivas “Veja”
 relação (ou entrada remissiva “Veja também”) com registos de autoridade aos quais está ligado
 as fontes utilizadas para estabelecer o ponto de acesso
 listagem de formas anteriores e de outros usos de forma normalizada.
O registo de autoridade assim constituído está ligado, nos sistemas integrados, a todos os registos bibliográficos aos quais diz respeito, sendo a partir do ficheiro de autoridade que se desenrola o processo de pesquisa e a apresentação dos respectivos resultados sempre que o utilizador interroga a base de dados.
O conteúdo do registo de autoridade pode ser de grande importância para o catalogador e para o utilizador final, na medida em que reflecte do trabalho de pesquisa em torno de um autor, título ou assunto.
Em casos em que se verificam variantes há uma razão para escolher uma forma e não outras, bem como para optar por uma fonte de informação e não por outra. O agente principal que determina a escolha é o código ou as regras de catalogação em vigor na zona em que a catalogação é feita.
Dado que não há um código global de catalogação (apesar das Anglo-American Cataloguing Rules, second edition – AACR2 – serem largamente utilizadas ou inspiradoras de regras nacionais), os catalogadores em diferentes áreas geográficas podem chegar a conclusões completamente diferentes mesmo quando havia alguma similaridade na evidência. Esta, por sua vez, é uma mistura da atitude objectiva (a evidência que os documentos apresentam e as próprias obras de referência) e da atitude subjectiva (a interpretação que o catalogador faz das regras de catalogação e o modo como as aplica ao documento catalogado). As razões objectivas e subjectivas podem até motivar diferentes abordagens da mesma evidência dentro da mesma instituição ou por parte do mesmo catalogador.
Para evitar a frequência de tais situações convém ter em conta as fontes a utilizar na construção dos cabeçalhos:
 os ficheiros de autoridade existentes, a nível nacional ou local
 as regras de catalogação em vigor
 o documento que está a ser catalogado
 as fontes de referência (qualquer fonte que providencie informação).
Cada categoria deve ser sopesada face às outras e, mesmo dentro de cada uma, quando haja discrepâncias, certas fontes podem ter mais autoridade do que outras.

3. CONTROLO DE AUTORIDADE NO AMBIENTE WEB
O ambiente Web vem abrir novas potencialidades para os registos de autoridade. A rápida acessibilidade à informação, a globalização desse mesmo acesso propiciando a entrada em várias bases de dados ao mesmo tempo, leva a que a construção do ficheiro de autoridade, enquanto acto isolado de uma biblioteca, passe a ser visto como um acto colectivo indispensável, sob pena de não ser possível encontrar, na pesquisa via Web, a informação fiável e exaustiva que, obviamente, o investigador pretende.
Do ponto de vista da gestão de recursos humanos e financeiros e dos objectivos estratégicos a alcançar por uma biblioteca, a partilha da informação em torno dos ficheiros de autoridade é um benefício porquanto reduz os custos globais que o trabalho de autoridade acarreta sendo que, ao mesmo tempo, permite um acesso controlado e uma maior precisão na pesquisa.
Da mesma maneira que vemos vantagens na cooperação para um controlo de autoridade mais eficaz e para a construção de melhores pontos de acesso, não podemos esquecer um conjunto de dúvidas que naturalmente se levantam à prossecução deste trabalho. A primeira é independente do acesso Web e tem a ver com os custos inerentes ao controlo de qualidade e o interesse (e viabilidade) de tal tarefa para as bibliotecas em geral.
Com efeito, para se executar as tarefas de Catalogação com a plenitude normativa que atrás se mencionou, é preciso pessoal adequadamente treinado, com um bom conhecimento das regras sobre determinação e forma dos cabeçalhos, instrumentos de referência para apoiar as escolhas feitas e um sistema automatizado que sustente o ficheiro de autoridade.
A atribuição de autoria, a escolha da forma do cabeçalho, a aposição de elementos de identificação ou distinção, o estabelecimento de entradas remissivas, a elaboração de notas explicativas, em suma, a criação do registo de autoridade, é uma tarefa morosa e dispendiosa. Nem todas as bibliotecas dispõem de meios para poder desenvolver um trabalho rigoroso ao nível da investigação, sobretudo, e nem todas assumem o controlo de autoridade como uma prioridade a prosseguir. Trata-se de um trabalho que foi sempre mais conotado com as agências bibliográficas nacionais, com a elaboração da bibliografia nacional corrente ou retrospectiva, considerando-se que, a partir dos registos de autoridade criados a esse nível, está constituída uma mais-valia de que as outras bibliotecas, a nível nacional, podem beneficiar, evitando a repetição do trabalho e assegurando cabeçalhos de qualidade para os seus registos. Por outro lado, a nível internacional, o ficheiro de autoridade da agência bibliográfica nacional é também um valor acrescentado pois, em ambiente de cooperação e sobretudo tirando partido da interoperabilidade entre sistemas, esse ficheiro serve de autoridade para os autores do respectivo país de origem.
Mas será que é mesmo necessário o controlo de autoridade no acesso à informação via Web? Não dispomos de ferramentas que o podem substituir, com vantagem, nas pesquisas com truncatura ou por palavra-chave? Como vencer as barreiras objectivas e subjectivas de que falámos atrás, num ambiente multilingue e de múltiplas variantes de códigos de catalogação? Será ainda necessário (e possível em termos de custo/benefício) o cabeçalho uniforme? Estarão os Princípios de Paris e as Regras de Catalogação desadequados aos novos contextos tecnológicos?
Comecemos pela primeira questão e analisemos as oportunidades e desafios que a Internet coloca ao controlo de autoridade.
A Web é, quase por definição, caótica. Muitos utilizadores lançam uma questão e obtêm uma resposta que consideram satisfatória mas ignoram que pode haver muito mais informação sobre o mesmo autor, título ou assunto que não foi recuperada. Pode ser porque o nome que pesquisaram não estava correcto ou a colectividade sobre a qual queriam investigar não é reconhecida pelo seu acrónimo mas sim por uma forma completa (ou vice-versa), enfim, uma multiplicidade de situações que conhecemos como variantes bibliográficas e que dão origem a uma recuperação de informação incompleta e, por vezes, errada.
Quando colocamos os nossos catálogos disponíveis através da Web, introduzimos os princípios de vocabulários controlados para assuntos, nomes e títulos. Os catálogos em linha podem, pois, servir de auxiliares de busca na Internet, sobretudo quando se estabelecem hiperligações entre o registo bibliográfico e o próprio recurso. Também podemos ter a situação inversa, isto é, ligações na Web para os nossos catálogos, a partir de ferramentas de referência ou de documentos em linha. Essas ligações permitem a quem pesquisa saltar directamente para catálogos em linha, a fim de encontrar obras de ou sobre determinado autor ou assunto. Quanto à origem da informação, tanto pode ser a partir dos registos bibliográficos como dos de autoridade, que proporcionarão outros elementos informativos de interesse sobre o autor ou o assunto pesquisado.
Poder-se-á dizer que para grande parte das pesquisas na Web, o acesso à informação controlada e normalizada não será absolutamente vital. Pesquisando tentativamente (experimentando chaves de pesquisa, procurando por palavras isoladas, truncando a expressão) ou recorrendo aos motores de busca para localizar sítios de interesse, muitos utilizadores da Internet vão percorrendo os recursos disponíveis e juntando informação relevante, sem que as suas pesquisas signifiquem mais do que um “browsing” à imensidão informativa de que a Web dispõe.
Porém, quando a pesquisa é mais fina, quando há necessidade de encontrar informação precisa e exaustiva, o utilizador sente, obviamente, que a estrutura habitual de um catálogo controlado é a que melhor facilita a procura e o agrupamento de informação. O controlo de autoridade permite precisão na recuperação dos registos ou obras de interesse e a estrutura de um ficheiro de autoridade, com as remissivas, assegura que os materiais relevantes serão encontrados, independentemente da forma usada na pesquisa. Ainda que, hoje em dia, a Web não ofereça grande quantidade de informação controlada, devemos desenvolver esforços para que se possa funcionar no caos … com alguma ordem e, sobretudo, compete às bibliotecas e aos bibliotecários dar aos utilizadores a opção de uma pesquisa mais fiável, se eles assim o quiserem.




4. CONTROLO DE AUTORIDADE GLOBAL: DA UTOPIA À REALIDADE
No domínio das oportunidades que a Internet potencia ao controlo de autoridade há pois um mundo a explorar. Quanto aos desafios, podemos considerá-los a diferentes níveis.
Um primeiro aspecto, já anteriormente referido, tem a ver com as dificuldades, custos e morosidade do trabalho de autoridade. O ambiente Web não produz qualquer benefício porquanto se trata de tarefa de natureza intelectual. No entanto, através de pesquisa interactiva, da cooperação internacional e da facilidade de acesso a instrumentos de controlo de autoridade produzidos por outras instituições, podem perspectivar-se boas hipóteses em termos de custos/benefícios.
Há, porém, um óbice que entrava o trabalho de autoridade à escala global e que tem a ver com as diferentes regras de catalogação existentes e as diversas línguas e escritas em que são formulados os cabeçalhos de autoridade.
Aproveitando as potencialidades que a interoperabilidade entre sistemas vem proporcionar, têm-se vindo a desenvolver projectos de cooperação nesta área, utilizando, por exemplo, o protocolo Z 39.50.
O projecto AUTHOR que decorreu entre Janeiro de 1995 e Dezembro de 1997, com financiamento da Comunidade Europeia, tinha como objectivo explorar a troca internacional e a reutilização de registos de autoridade para autores, pessoa física e colectividades. Participaram neste projecto, para além da Biblioteca Nacional, a Bibliothèque nationale de France, a British Library, a Bibliothèque royale Albert I (Bélgica) e a Biblioteca Nacional de Espanha. No âmbito do projecto, foi convertido para o formato UNIMARC (Autoridades e utilizando o conversor universal USEMARCON) uma amostra de registos de autoridade relativos às mesmas letras (e aos mesmos apelidos ou nomes de colectividades), tal como existiam nos ficheiros de autoridade das respectivas bibliotecas. Foi criado um protótipo de base de dados única, acessível via Web através do protocolo Z 39.50.
Os problemas encontrados foram múltiplos: cada biblioteca tem a sua língua (duas, no caso da Bélgica), regras de catalogação, formato e sistema automatizado diferentes. O estudo que acompanhou a experiência revelou práticas e regras diferentes para criar os registos de autoridade. Apesar de semelhanças, que entroncam basicamente na aplicação dos Princípios de Paris, havia diferenças assinaláveis. Por exemplo:
 Portugal, Espanha e Bélgica não faziam entradas de autoridade para grupos eventuais, como as conferências;
 França e Bélgica consideravam, no cabeçalho de autoridade, a nacionalidade do autor, enquanto Portugal, Espanha e o Reino Unido apenas o mencionavam em nota;
 Os esquemas de transliteração não eram idênticos nem aplicados do mesmo modo.
O projecto AUTHOR veio, na prática, pôr em evidência questões que eram mais ou menos sabidas e que podemos sistematizar da seguinte forma:
 Diferenças resultantes de usos linguísticos diversos, sobretudo em autores clássicos ou personalidades com formas vernáculas consagradas pelo uso.
Ex.:
1. LUCIANUS (IT)
LUCIEN DE SAMOSATE (FR)
 Práticas diferentes quanto ao uso de indicativos geográficos e/ou elementos de identificação ou distinção.
1. CATHOLIC CHURCH. Archdiocese of Milan (Italy) (UK)
ÉGLISE CATHOLIQUE. Diocèse (Milan) (FR)
MILANO (Arcidiocesi) (IT)
MILÃO. Diocese (PT)
2. AUGUSTINUS, Aurelius (DE)
AUGUSTINE, Saint, Bishop of Hippon (UK)
AGOSTINHO, Santo, 354-430 (PT)
 Esquemas diversos de transliteração e romanização
CEHOV, Anton Pavlovic (IT)
CHEHOV, Anton (PT)
CHEKHOV, Anton Pavlovich (US)
TCHEKHOV, Anton Pavlovitch (FR)
 Formatos MARC diferentes que podem não ter os elementos suficientes para uma correcta conversão .
 Diferenças na grafia da mesma língua quando utilizada por países diferentes.
Para fazer face a estes obstáculos e atingir os propósitos do controlo bibliográfico universal, organizações internacionais, como a IFLA, desenvolveram, ao longo dos últimos 20 anos, importantes esforços.
Em 1984, os Guidelines for Authorithy and Reference Entries (GARE) preconizavam a necessidade de controlar as formas dos nomes e ofereciam algumas medidas metodológicas com vista a produzir registos uniformes que pudessem ser permutados e partilhados mas a verdade é que as diferentes línguas, os problemas de transliteração e as formas vernaculares consagradas pelo uso demonstraram que o objectivo de estabelecer um cabeçalho único e idêntico para um nome de autor não era sustentável. Tal foi afirmado nas conclusões do Grupo de Trabalho da IFLA sobre Minimal Level Authority Records e, finalmente, em 2001, aquando da revisão do GARE que deu lugar aos Guidelines for Authority Records and References (GARR), toda a filosofia por detrás do controlo de autoridade e do acesso aos registos bibliográficos se alterou.
O critério de “uniformidade”, consagrado nos Princípios de Paris, 1961, dá lugar à adopção de um ou mais cabeçalhos “autorizados”, relacionados com a mesma entidade, iguais em estatuto mas diferentes na forma por corresponderem a ambientes culturais diferentes e a regras catalográficas também diferentes.
O objectivo da uniformidade linguística é ultrapassado a nível internacional. Não se procura a língua única (o Latim, para outros tempos ou o Inglês, no presente). Ao contrário: o trabalho de autoridade de uma determinada agência bibliográfica deve passar a ser também uma busca de formas autorizadas noutras línguas (uma espécie de cabeçalhos “paralelos”), compiladas de acordo com outras regras, outras línguas e outras escritas. Os resultados dessa busca devem ser incluídos no registo de autoridade, como entradas remissivas.
O método permite grande liberdade para consagrar usos locais, ao mesmo tempo que reconhece as formas equivalentes noutros países, com evidente benefício para o utilizador que já não tem de adivinhar o nome correcto ou a forma linguística precisa em que determinado nome se encontra catalogado num dado país.
Claro que não está subjacente a esta nova filosofia um acréscimo de trabalho manual na criação do registo de autoridade. Pretende-se tirar partido das novas tecnologias no estabelecimento de interoperabilidade através de registos de autoridade provenientes de vários ficheiros. Não se trata, pois, de um modelo como o do projecto AUTHOR que compilava as diferentes formas encontradas e as convertia para uma única base de dados UNIMARC. Trata-se de ligar registos de autoridade criando um ficheiro de autoridade virtual.
As formas possíveis para o conseguir estão a ser objecto de investigação no âmbito de vários projectos internacionais, com o objectivo de usar as tecnologias disponíveis e, de preferência, contribuir para um melhor desenvolvimento de automatismos nas ligações, não só entre ficheiros de autoridade mas (e porque não?) a outros recursos na Internet, incluindo objectos digitais.
O projecto LEAF – Linking and Encoding Authority Files, que está a ser desenvolvido com o apoio da CE, tem como objectivo estudar um modelo para este tipo de ligações, ainda que mais na área dos registos de autoridade produzidos pelos arquivos. A Biblioteca Nacional participa nesse projecto, de que tivemos oportunidade de ouvir falar no âmbito destas Jornadas.

5. NOVOS CAMINHOS PARA O CONTROLO DE AUTORIDADE
Esta mudança de atitude que faz evoluir um cabeçalho “uniforme” para um cabeçalho “autorizado” é um marco histórico na forma como encaramos a Catalogação e o próprio Controlo Bibliográfico Universal. Não basta, porém, mudar a atitude, é preciso rever todos os princípios em que se apoiam as regras para o estabelecimento e forma do cabeçalho de modo a podermos verificar da sua adequação aos novos contextos tecnológicos e aos novos recursos de informação.
Foi precisamente com essa intenção que a Secção de Catalogação da IFLA, com o apoio da Secção das Bibliotecas Nacionais, organizou de 28 a 30 de Julho de 2003, um Encontro de peritos para discutir da viabilidade de um Código Internacional de Catalogação (IFLA Meeting of Experts on an International Cataloguing Code – IME ICC).
Este Encontro, que pretendeu ser o primeiro de vários a organizar sempre antes das Conferências anuais da IFLA e em diferentes partes do mundo, destinou-se à avaliação das práticas de Catalogação na Europa com vista a fazer aumentar a capacidade de partilha de informação catalográfica e de promover normas para registos bibliográficos e de autoridade.
No decorrer do Encontro foram examinados os códigos e práticas de Catalogação nos países europeus, comparando semelhanças e diferenças e analisando das possibilidades de uniformizar regras.
Foi dada uma atenção muito especial aos Princípios de Paris, 1961, e à necessidade da sua revisão para uma melhor adaptação à actual realidade tecnológica (pois é preciso não esquecer que aqueles princípios visavam a construção de catálogos manuais), bem como aos novos conceitos e terminologia adoptados no estudo da IFLA intitulado FRBR – Functional Requirements for Bibliographic Records.
Verificou-se que, no geral, as regras de catalogação utilizadas na Europa se baseiam nos Princípios de Paris, 1961, para a escolha e forma dos cabeçalhos e determinação da palavra de ordem. Quanto à utilização da ISBD, como modelo de descrição bibliográfica, há também consenso a nível europeu, o que significa que os registos bibliográficos produzidos pelos diferentes países são normalizados e compreensíveis, independentemente da língua e da escrita.
Foram avaliadas as eventuais necessidades de mudança (ou de maior precisão), sobretudo nos Princípios de Paris, mas também nas ISBDs ao nível, por exemplo, da serialidade à luz da nova ISBD (CR), das estruturas bibliográficas em múltiplas partes, dos títulos uniformes e das indicações gerais da natureza do documento. Para cada um destes assuntos, alocado a um grupo de trabalho específico, foram formuladas recomendações que cão incorporar a Declaração final do Encontro.
Essa Declaração reitera que os princípios se destinam aos catálogos correntes das bibliotecas, na sua forma em linha e WebOPAC, com vista a uma aproximação consistente à catalogação de recursos bibliográficos e ao acesso por parte dos utilizadores. Eventualmente, os princípios serão alargados no futuro também à classificação e acesso por assunto. Os princípios podem ser aplicados por outras comunidades ligadas à informação.
O ponto de partida desta Declaração, considerado como principal princípio de qualquer código de Catalogação, é a conveniência do utilizador do catálogo.
Outro aspecto de grande relevo é a revisão das funções do catálogo, actualizando os Princípios de Paris e colocando-os mais na linha dos FRBR. As ISBDs são explicitamente reconhecidas como o fundamento básico das regras de descrição. Quanto à escolha e estrutura dos cabeçalhos de autoridade utilizados para controlar os pontos de acesso, bem como a importância dos registos de autoridade para garantir a precisão da pesquisa e do acesso, são princípios que ficam explicitamente declarados.
Como se sabe, os Princípios de Paris não consignavam esse tipo de entradas, considerando que a entrada no catálogo constituía o cabeçalho uniforme e as formas alternativas e rejeitadas, entradas remissivas explicativas ou remissivas simples, respectivamente.
Também o princípio do cabeçalho autorizado sobressai nesta Declaração, substituindo o conceito de cabeçalho uniforme, para efeitos de cooperação internacional.
As discussões durante os dois dias e meio que durou o Encontro foram muito vivas, com apontamentos interessantes, por exemplo por parte dos colegas que lidam com outros alfabetos que não o latino. Outras questões que se debateram foram, por exemplo:
a) – da viabilidade de todos usarem as mesmas regras de catalogação (e a hipótese que se discutia era as AACR2), situação essa que foi rejeitada;
b) – de todos usarem a mesma língua nos cabeçalhos (o Inglês ou o Latim para os autores mais antigos), situação que também foi rejeitada;
c) – de acabar com o conceito de entrada principal porquanto nos catálogos em linha é um princípio inútil, situação que também não foi aceite, tendo em vista a apresentação do registo no ecrã e a sua formulação em bibliografia, listas ou catálogos impressos;
d) – de normalizar, com outra terminologia, as Indicações Gerais da Natureza do Documento, que hoje em dia revelam fragilidades conceptuais, situação que foi aceite;
e) – de consagrar o direito à diferença nos cabeçalhos, em nome da comodidade do utilizador, mas de tudo fazer para viabilizar um ficheiro de autoridade virtual à escala internacional.
O texto final da Declaração ainda está em documento de trabalho mas, logo que seja considerado definitivo, será traduzido para português e amplamente divulgado.

6. CONCLUSÃO
Procurámos responder com o que é, no momento, o estado-da-arte em matéria de controlo de autoridade, àquelas questões que tínhamos formulado sobre
 a necessidade do controlo de autoridade no acesso à informação via Web – e tudo aponta para que é, efectivamente, premente e necessário esse controlo para assegurar melhor informação, mais precisa e mais fiável;
 a substituição desse controlo por formas não autorizadas, baseadas, por exemplo, no nome do autor tal como se apresenta na obra e sem qualquer trabalho de autoridade que permita agrupar ou relacionar cabeçalhos – e tudo parece indicar que, pelo menos no mundo das bibliotecas e tendo em conta a informação que preparam para o utilizador, esta simplificação não é aceitável, à luz dos princípios que norteiam a missão das próprias bibliotecas;
 a dificuldade de ultrapassar as barreiras que, objectiva e subjectivamente, se opõem ao trabalho de autoridade, como sejam regras e práticas diferentes, múltiplas línguas e escritas, tarefas de pesquisa morosa e dispendiosa, etc. – e, não querendo ser demasiado optimista no vencer destas barreiras, tudo se encaminha para um maior entendimento à escala internacional, com respeito pelos usos nacionais e aproveitando o potencial tecnológico da interoperabilidade em rede para tentar atingir o ficheiro de autoridade virtual;
 o surgimento de novos conceitos e princípios, como o cabeçalho autorizado, em vez do cabeçalho uniforme ou, a nível mais geral, a revisão dos próprios Princípios de Paris que virá, naturalmente, a motivar a revisão de regras de catalogação.
Como vamos, então, trabalhar no futuro? Qual é o papel de uma agência bibliográfica nacional neste novo contexto? O trabalho de autoridade vai ter de prosseguir tendo em conta dois contextos distintos:
O primeiro é o contexto nacional onde teremos que encarar, diariamente, qual a forma a escolher como autorizada e a fazer todas as tarefas inerentes à criação do registo de autoridade, de modo a garantir a efectiva funcionalidade do ficheiro de autoridade.
A escolha da forma normalizada, a partir de regras e critérios consistentes, é a principal prioridade pois só assim se podem providenciar cabeçalhos coerentes em listas de pontos de acesso, com a vantagem de se implementarem facilidades na identificação e selecção de nomes para o utilizador final e para as outras bibliotecas que pesquisem a base de dados para colher informação de autoridade.
O trabalho de autoridade, especialmente a atenção aos termos exactos e o estabelecimento da sequência dos elementos, é tão importante (ou mais) no contexto em rede em que toda a ordenação é feita automaticamente. A adopção de formas consagradas pelo uso, localmente, não deve ser vista como uma abolição de práticas como a busca em obras de referência. Ela é, antes de mais, a chave para uma utilização mais racional do catálogo e para um serviço mais adequado ao utilizador. Esse princípio é, como atrás referimos, o ponto de partida da nova Declaração de Princípios.
A nível internacional e tendo em vista a partilha de ficheiros de autoridade, é necessário que existam princípios semelhantes e que se consagrem as áreas em que há direito à diferença.
Quer manualmente (em resultado de pesquisas feitas para estabelecer o cabeçalho de autoridade), quer utilizando ferramentas que a interoperabilidade proporciona, haverá que constituir ficheiros de autoridade onde se possa pesquisar por outras formas autorizadas do cabeçalho, ainda que não sejam as utilizadas naquele país ou naquela biblioteca.
De notar que mesmo o modelo de ficheiro de autoridade virtual, tal como se pretende implementar, não dispensa alguma centralização de tarefas. O projecto VIAF – Virtual International Authority File que a Biblioteca do Congresso, a OCLC e a Deutsche Bibliothek estão a desenvolver, é virtual no sentido em que os registos de autoridade estão fisicamente nas suas bases nacionais, mas destinam-se a ser identificados ou recolhidos por um servidor central onde ficarão ligados entre si.
Repare-se também que, para que essa recolha por um motor de busca tenha bons efeitos, é necessário que os registos contenham um mínimo de informação que permita a sua identificação inequívoca.
Podemos, naturalmente, encarar no futuro um ficheiro de autoridade internacional e partilhado, como sendo parte integrante da “Web Semântica”. A ideia será tornar a Internet mais inteligente para navegação automática, o que envolve a criação de uma infra-estrutura de recursos ligados e o uso de vocabulários controlados, aquilo que se designa por “ontologias”. Estas ontologias podem ser usadas para permitir apresentações ou visualizações na língua e escrita do utilizador.
É aqui, neste domínio, que as bibliotecas têm oportunidade de contribuir para a infra-estrutura da futura Web porquanto já dispõem de vocabulários controlados para os serviços de indexação, de dicionários biográficos e de muitas outras ferramentas e recursos de referência que ajudam o utilizador a orientar-se nos catálogos e a melhorar a precisão das pesquisas.
O universo da Web é formado essencialmente por ligações, pelo que os registos de autoridade, no ambiente partilhado e internacional que se prepara, não ficarão apenas ligados a registos bibliográficos mas sim a diversas comunidades, como editores, agências de direitos de autor, arquivos, museus e bibliotecas em geral. Idealmente, os registos de autoridade serão um elemento chave ou uma parte indispensável na infra-estrutura da Web Semântica, permitindo um acesso mais preciso à informação e ainda uma apresentação dessa informação na língua e escrita que o utilizador escolha.




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