A
Biblioteconomia tem entre suas preocupações e interesses, a leitura. As
bibliotecas, mesmo que em um primeiro momento as públicas e escolares,
trabalham com a leitura. Isso nos parece óbvio. No entanto, com o que de
fato lidamos no âmbito da leitura? Ensinamos as pessoas a ler,
fomentamos a leitura, disponibilizamos livros para a população,
facilitamos o contato das pessoas com os livros?
Essas
questões estão sempre presentes - ou devem estar - nas nossas reflexões
e nas nossas pesquisas. Mesmo sabendo que não faz parte de nossas
atribuições o ensino da leitura, sem nos apercebermos criamos um
confronto com as atribuições dos professores. É preciso que se torne
claro o nosso fazer em relação à leitura, pois assim, conseguiremos
distinguir as diferenças entre o fazer do professor e do bibliotecário.
Para
mim, trabalhamos com o fomento à leitura. Buscamos facilitar a relação e
o contato dos alunos - e do público em geral - com os suportes da
leitura. Essa tarefa
não é exclusiva dos bibliotecários, como também não é exclusividade dos
professores. Muitos profissionais incluem em seu fazer o fomento à
leitura. Aliás, fomento à leitura é uma ação que foi assimilada e
assumida por muitos segmentos da sociedade. É evidente esta última
afirmação quando, tanto na imprensa escrita como falada, ficamos sabendo
de campanhas, coletivas ou individuais, interessadas no aumento da
leitura. No entanto, cabe observar que boa parte dessas campanhas ou
ações não estão preocupadas com o conteúdo dos livros divulgados ou
doados, mas apenas com o acesso físico ao livro. A leitura é boa em si
mesma. Essa postura carrega concepções que, mesmo não explicitadas, são
facilmente entendidas.
Quantas
pesquisas sobre leitura conhecemos que foram realizadas por bibliotecas
ou bibliotecários? Quantas pesquisas sobre leitura abrangeram um
universo maior do que o espaço de uma única biblioteca? Se essas
pesquisas não existem ou são poucas, no que baseamos nossas ações?
Sem
medo de errar, posso afirmar que seguimos resultados de pesquisas que
têm como interesse o mercado livreiro. Tais pesquisas pretendem
identificar como as pessoas se relacionam com o livro, mas para, ao
final, desenvolver estratégias de vendas.
Tanto isso é verdade que a pesquisa
Retratos da Pesquisa no Brasil - 3, entende como leitor aquele que leu
um "livro" nos últimos 3 meses. Um livro e não outros suportes de
leitura. Qual o motivo que levou o coordenador da pesquisa a determinar
como leitor apenas aquele que lê livros?
Baseado no fato de que a pesquisa teve como interesse
o livro, além de ter sido financiada por instituições e empresas
ligadas ao comércio livreiro, buscou ela resgatar o interesse das
pessoas por temas e assuntos, desejo e possibilidade de compra, etc. É
importante descobrirmos esses dados? São eles relevantes para quem lida
com o livro e a leitura? Claro, mas isso reforça o que estou afirmando. A
pesquisa se preocupou e esteve voltada para a leitura do livro e não
para a leitura.
A
biblioteca trabalha apenas com a leitura do livro? Não. Ela direciona,
ou deveria direcionar, suas atenções para a leitura de outros suportes.
Nossa
relação com o livro, tanto da biblioteca como do bibliotecário, tem uma
explicação bastante coerente, no entendimento de Ortega y Gasset,
quando afirma ele que a atual concepção surge com a invenção do tipo
móvel e da imprensa no século XV. Desde então, temos essa relação
estreita com o livro. No entanto, nosso fazer não está vinculado ao
livro, mas à informação. E disso não podemos nos esquecer sob pena de
nortearmos nossas ações para um objetivo destoante de nosso objeto de
estudo, preocupação e interesse.
Para
lidarmos de fato com a leitura, apesar de enfocar nossa ação no fomento
dela, precisamos de embasamento teórico e de pesquisas que estejam
voltadas para a leitura e não apenas para o livro. Para nós,
bibliotecários, o conceito de leitura deve ser amplo, não se atendo
apenas ao texto escrito.
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