De 03 a 05 de outubro de 2012 ocorreu em Montevidéu, capital do Uruguai, o 9º. Encontro de Diretores e 8º. de Docentes das Escolas de Biblioteconomia e Ciência da Informação do MERCOSUL. No evento, estiveram presentes mais de 200 participantes oriundos da Argentina, Brasil, Chile, Venezuela e do país anfitrião.
A
discussão foi ampla. Em alguns momentos, sobretudo no grupo cujo tema
tem relação com meus interesses de estudo e, portanto, do qual
participei, isto é, o Grupo 1, que trata dos Fundamentos Teóricos,
brotaram dois aspectos que me parecem relevante considerar. Um deles é a
referência a uma latinoamericanidade
que, de praxe, não é propriamente discutida, mas tomada como uma
realidade dada. O outro, que é discutido, mas por um caminho estranho, é
a fundamentação tomada para
suportar teoricamente a Biblioteconomia e Ciência da Informação
praticada, ensinada, aprendida e pesquisada nessa sub-região da chamada
América Latina.
Neste
texto, abordarei um pouco, como vejo esses dois aspectos da discussão, a
partir de como a percebi durante o evento, e sempre considerando os
limites do meu lugar de observação, ou seja, o Grupo 1 (Fundamentos
Teóricos).
O que significa para todos nós a latinoamericanidade?
O fato de constituirmos um ambiente geográfico conformado sobre um
território invadido desde o século XVI por Espanha, que sempre
reivindicou a sua maior parte e por Portugal, que sempre procurou
avançar sobre sua maior parte, seria suficiente para dar o caráter
latino, especialmente pelo fato de Espanha e Portugal terem idiomas
predominantes de tronco comum? Terem sido lugares de ocupação romana por
vários séculos? Terem sido lugares de domínio comum das mesmas famílias
imperiais? Creio que traços como esses não são suficientes para marcar a
latinidade! Mas entra na expressão também a americanidade. E a
americanidade, tal como a latinidade, não é uniforme. Nesse território
onde se daria a latinoamericanidade,
invadido durante esses cinco últimos séculos, percebe-se na
constituição das populações nativas, que o ocupavam anteriormente à
chegada dos navios Espanhóis e Portugueses,
a presença de centenas de nações e línguas; um número não pequeno de
práticas místicas e religiosas; diferentes conhecimentos práticos que
levam à formação de distintas técnicas e tecnologias construtivas,
alimentares, vestuárias, etc.
Além de tudo isso, é de considerar-se que tanto latinidade quanto americanidade,
para além de domínios linguísticos, místicos, religiosos, técnicos e
tecnológicos expressos pelos povos que os cultivam, se definirá por
outros aspectos, especialmente, por arte e ciência. Portanto, a
percepção que se manifesta sobre a latinoamericanidade
expõe e confirma uma das teorias da fenomenologia social, construída
por Alfred Schutz, que, a despeito de sermos profissionais ou cientistas
ou acadêmicos somos, como as demais pessoas, dominados pelo mundo da
vida cotidiana, isto é, pela realidade a qual dá conformidade à nossa
existência. Por essa razão, então, quando durante o evento se arguia em
torno de um terreno comum – a latinoamericanidade - isto
vinha, inteiramente, de uma fundamentação intuitiva, completamente não
científica, mas num ambiente onde estavam a discutir um tanto de
cientistas da sociedade. Falavam como todas as demais pessoas, como
todos aqueles com os quais se convive no grande grupo humano. Mas um
primeiro aspecto estava sempre presente, falavam como nacionais dos países ali representados, e isso ficava muito claro quando alguém comentava algo do tipo: vocês do Brasil têm características ou tradições A, B ou C. Ou vocês do Uruguai têm características ou tradições D, E ou F, etc. Isto é, pelos valores culturais, somos sem muitas dificuldades demarcados em muitos aspectos e por ai se esvai a latinoamericanidade como um singular.
No
transcorrer do evento, lembrei-me dos textos do Gilberto Freyre,
reunidos em antologia organizada por Edson Nery da Fonseca, sob o título
China Tropical e outros escritos sobre a influência do Oriente na cultura luso-brasileira. [Editora UnB, 2003, 240 p.]. Penso
que ao inserir na apreciação as reflexões, relatos e descrições do
autor pernambucano - um dos precursores das Ciências Sociais no Brasil -
posso colocar a questão de até onde o Brasil cultural se assemelha com
todos os demais países de ascendência espanhola que se encontram no
vasto território estendido da América do Norte, passando pela América
Central até chegar à Terra do Fogo?
Eu não desconsidero que a maioria dos presentes tenha a noção de que essa latinoamericanidade
singular não existe, pois os considero gente que reflete, embora
demonstre uma reflexão reificada, para tomar uma expressão de Serge
Moscovici, um dos grandes estudiosos das Representações Sociais. Isto é,
refletem mais sobre sua ciência, não dando, provavelmente, a devida
importância à vida cotidiana.
De
certa maneira, isso se confirma e me remete ao segundo aspecto que me
propus a aqui tratar, qual seja o dos Fundamentos teóricos da
Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Uma
das questões que ocupou parte significativa do tempo disponível no
Grupo teve relação com as bases com que se constrói e que se ensina para
a formação das competências profissionais de bibliotecários e
cientistas da informação.
Ao longo de todo o debate foram manifestados vários equívocos, que se deram pelo olvido das particularidades jurídicas de cada
país. Chamar a Ciência da Informação e a Biblioteconomia de campos
profissionais no Brasil, considerando-as como duas atividades pelas
quais se nomeia profissões não faz sentido. Primeiro porque ambas são,
se se quer dizer assim, ciências, disciplinas ou doutrinas.
Bibliotecário, neste país, é profissão consagrada em legislação própria e
com lugar definido no mercado de trabalho. Cientista da informação não
tem esse mesmo status, a começar pelo fato de que no rol das profissões
confirmadas pelo mercado profissional não há clara presença de um
profissional assim designado. O mais próximo dessa intenção responde
pelo nome de Profissional da informação, que insere os profissionais
arquivistas, bibliotecários e museólogos como parte. Outro elemento não
menos significativo, presente em parte das intervenções, é a insistência
em buscar os fundamentos da Biblioteconomia e Ciência da Informação
simplesmente em suas respectivas epistemologias. Mas será que uma
ciência se explicaria pelo seu próprio olhar? Por que não se pretender
buscar os fundamentos filosóficos mais amplos, pelos quais a
Biblioteconomia e Ciência da informação possam ser examinadas e
compreendidas pelas suas respectivas naturezas (Ontologia) e finalidades
(Teleologia) e depois disso virem a ser examinadas quanto aos seus
processos de constituição como campo de conhecimento? Será que é
sustentável o discurso do investigador e será que esse discurso sustenta
adequadamente o campo em que ele atua e constrói quando afirma que esse
campo deve ser compreendido como um campo de conhecimento por ser
interrogado pelo modo como ele se faz, sem se indagar possíveis razões
que promovem a sua aparição no contexto da realidade humana assim como o
destino ou emprego desse conhecimento?
Me
escuso, neste momento, em ampliar esta apreciação, porém a mim parece
que nesse evento ficou evidenciado que a nós, bibliotecários do
MERCOSUL, não importa não saber, o que se deve conhecer para constituir
um campo de Biblioteconomia e Ciência da Informação que, de fato, possa
transformar a nossa sociedade.
Considerando,
por fim, que se tratou de uma reunião de docentes e diretores de
escolas de Biblioteconomia e Ciência da Informação, meu sentimento ao
final é de que no MERCOSUL, ao menos do meu lugar de observação nessa
reunião, prevalece o domínio e o puro encanto com a face instrumental do
conhecimento. Isso se reforça pela reivindicação, por fim aprovada, do
retorno aos eixos temáticos que orientam o processo de formação
acadêmica em Biblioteconomia das áreas temáticas de Tecnologia da
Informação e Investigação, especialmente, pelo conteúdo dos argumentos
apresentados para o retorno desta última.
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