PROFISSIONAIS DE APOIO E A VISÃO 'BIBLIOTECÁRIO-CENTRADA'
[Julho/2004]
Temos uma tendência a visualizar a atuação dos recursos
humanos em bibliotecas centrando-os na figura do bibliotecário. Esta
visualização parece natural, automática. O que "a priori" advém de uma
constatação simples, pois não imaginamos uma "biblioteca" sem bibliotecários,
portanto, sem serviços, pode, e na maioria das vezes acontece, ofuscar a
importância da atuação dos demais profissionais da informação que atuam nas
bibliotecas, em todos os tempos.
A história destes profissionais ainda não foi
contada mas, com certeza, a história das bibliotecas, no passado e no presente,
foi e será feita com a participação destes em todos os aspectos da atividade
"biblioteconômica" mundial.
A história da biblioteconomia e das bibliotecas é
tão "bibliotecário-centrada" que podemos imaginar, como analogia, a questão tão
propalada da história oficial (dos dominadores) e da história dos dominados ou
dos oprimidos.
Esta visão "bibliotecário-centrada" é tão dominante
e disseminada que sequer ouvimos vozes, grunidos, barulhos ou ruídos que a
contestem. Será? Talvez os "bibliotecários-centrados" não tenham os ouvidos
devidamente treinados para captar o som dos "oprimidos".
Dizem que nós só podemos sentir o que o "outro"
sente se nos colocamos em seu lugar, mesmo assim, esta é uma condição provisória
e simulada, não podemos pretender a integralidade do sentimento do outro, é uma
experiência interessante mas não resolve a situação, pode sim produzir alguns
incômodos em quem se aventura na situação e, no máximo, ser a semente de uma
mudança não do "outro" mas de quem a experimenta.
Refletindo sobre o assunto podemos pensar em uma
"revolução", um levante dos "oprimidos" já que tantos são os profissionais "sem
voz" nas bibliotecas.
Não consigo esquecer de uma cena passada em uma
reunião de bibliotecários em que, por unanimidade dos que se manifestaram e por
omissão dos que se "esconderam", um grupo de auxiliares de biblioteca foi
impedido de participar da reunião a fim de manifestar-se sobre determinada
questão que envolvia, também, o trabalho dos bibliotecários. Foi considerado
anti-ético o envolvimento de funcionários subalternos na exposição das
dificuldades da tarefa. "Bibliotecários-centrados"?
O que salta aos olhos é a existência de uma cultura
de silêncio sobre a situação, temos tantos problemas a enfrentar externamente
que não olhamos para nossas "entranhas" ou para dentro de "nossa
casa".
Dar voz a esses profissionais é, também, dar espaço
para seus talentos e condição para o seu trabalho. Evidentemente, a visão da
biblioteca e de seus serviços poderá ampliar-se, adequar-se à realidade, ganhar
em subsídios a um planejamento mais completo, mais detalhado além, é claro, de
ganhar enormemente em termos de ambiente de trabalho.
Há muito tempo já havia a necessidade de outros
talentos que não o do bibliotecário para a boa operação de uma biblioteca,
atualmente esta condição é inconteste. As transformações que a tecnologia trouxe
às bibliotecas, o próprio perfil mutante de seu público e a variedade crescente
de seus serviços exigem outras habilidades que incorporam-se ao "roll" de
recursos disponíveis. Fazer frente a estas mudanças requer dar "espaço" a estes
novos profissionais da informação no ambiente da biblioteca. Não somos os únicos
e corremos o risco de perdermos espaço se não reconhecermos e respeitarmos estes
novos profissionais.
Os paradigamas existem para serem
ultrapassados.
Estamos passando por um período delicado, segundo
fontes do movimento associativo bibliotecário existem hoje menos de 1.000
profissionais associados a entidades de classe no Brasil. Somos mais de 20.000
profissionais no país. Algo de errado no reino da Dinamarca. Como podemos
alcançar os objetivos de visibilidade e atuação política da classe e do meio sem
atuação coletiva, associativa? Será na base do cada um por si?
Improvável.
Se não conseguimos nos impor como classe como vamos
atuar com os demais profissionais da biblioteca? Esta visão
"bibliotecário-centrada" não responde, pelo visto, às condições necessárias ao
enfrentamento dos obstáculos que temos pela frente, precisamos agregar mais,
somar e ganhar forças para uma atuação mais positiva e propositiva na sociedade.
Ganhar mais visibilidade, colocar em pauta as necessidades da área, sem sermos
transformados em ferramentas de atuação política deste ou daquele grupo, não
atuando de forma a conseguir algum benefício à classe mas atuando para oferecer
à sociedade o benefício inconteste do nosso trabalho à construção de uma
sociedade mais igualitária, eqüânime, democrática, cidadã. Para ganharmos esta
condição, somente trabalhando com todos envolvidos na área, começando a fazer o
"serviço" "em casa". Precisamos de todos, a começar pelos que compartilham e têm
o privilégio de trabalhar nas bibliotecas. Vamos começar?
O Brasil pode ser um país de
leitores?
Em livro lançado em 2004 pela Summus Editorial com o
título "O Brasil pode ser um país de leitores?" de Felipe Lindoso, antropólogo,
jornalista e militante na área editorial brasileira, traça um perfil das
principais questões e políticas relacionadas à produção, distribuição e consumo
de livros no Brasil e adiciona algumas informações de países estrangeiros. É uma
importante leitura para os militantes da área, inclusive para os profissionais
de bibliotecas. Curioso é que entre os inúmeros temas tratados pelo autor as
bibliotecas também estão presentes, como não poderia deixar de ser, em um livro
com esta temática. Ocorre que não há um aprofundamento no tema, talvez pela
ambrangência pretendida pela obra, mas entre as citações o autor faz a seguinte
afirmação quando trata das bibliotecas escolares e do Programa Nacional de
Bibliotecas nas Escolas - PNBE:
"As bibliotecas são, desde muito tempo,
negligenciadas pelas autoridades educacionais. Uma das razões para isso foi a
resistência corporativa dos bibliotecários, os quais, por meio de suas
associações, defendem fervorosamente a imposição de que cada biblioteca escolar
- por ser biblioteca - deva ser dirigida e administrada por um bibiotecário
formado, apoiando-se em legislação vigente que reserva esse "couto de caça"para
a categoria." (páginas 153 e154)
Continua:
"Ora, com mais de 200 mil escolas
públicas, não existe nem mesmo a possibilidade, em curto e médio prazos, de
haver bibliotecários suficientes para tal. Em vez de apostar no crescimento do
número de bibliotecas, que geraria demanda de profissionais, os bibliotecários
partiram para a posição corporativista de bloquear esse desenvolvimento,
exigindo a contratação prévia de profissionais." (página
154)
Para comentar os trechos acima seria necessário um
outro artigo mas deve-se levar em conta que o autor partipou da última diretoria
da Câmara Brasileira do Livro - CBL e ainda exerce cargos na área. As
bibliotecas representariam um grande mercado para as editoras mesmo que a
qualidade ou até mesmo a ausência de serviços resultasse na sua caracterização
como um mero depósito de livros, mesmo que novos, atulizados, comprados em
abundância pelo poder público. Exemplos não faltam e ainda estão em operação
Brasil a fora. Uma visão um tanto parcial, sem comprometimento com a realidade
do trabalho da biblioteca e de suas necessidades para realmente atender as
necessidades da população e não de setores interessados apenas na ampliação de
seu mercado. Recomendo a leitura.
Precisamos agir coletivamente, outros setores já
caminharam muito por esta estrada e chegaram a locais importantes. Precisamos
por o "pé na estrada".
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