Há
muito aprendi que no Universo, incluindo-se aí o próprio ser humano,
tudo está em constante mutação, evolução e adaptação, ou ainda podemos
também dizer, readaptação. Pois bem, tendo esse princípio em mente e com
a “maturidade” chegando, declinei de alguns deveres que eu tinha, ou
melhor, que eu me impunha e decidi “virar a mesa”, no sentido amplo e
positivo da frase.
Levando
em conta também algumas circunstâncias familiares, como meu “cara
metade” residindo e trabalhando longe, filhos já crescidos; tomei a
decisão de me mudar também. Após quase longos 15 anos e meio pedi
demissão e parti para nova cidade, nova casa, vida em comum e trabalho
novo.
Claro
que a decisão não ocorreu de uma hora pra outra, absolutamente. Ela foi
maturando aos poucos e cada vez mais se tornava viável e mais próxima.
Muitos conceitos tiveram que ser revistos; muitas horas de sono foram
prejudicadas; muitos pensamentos se avolumaram na minha mente para que
eu fosse capaz de decidir o que fosse mais correto, ou ainda, melhor pra
mim.
A
única certeza que eu tinha é querer uma qualidade de vida acima e muito
melhor da que eu tinha, poder estar mais junto de meu marido e ampliar
meu rol de “novidades”.
A
princípio não tinha nenhum trabalho em vista. Em janeiro de 2011, ao
retornar das férias, comuniquei a minha decisão de ficar somente até o
final do ano para a direção do colégio onde trabalhava. Foi um choque
para todo mundo. Foi lugar comum ouvir: “que loucura boa você está
fazendo”! “Tem certeza de que se adaptará a viver em lugar tão simples e
calmo e não ter todas as atividades que você tem aqui?” E por ai
afora...
Sempre
eu respondia:” Não posso ter certeza de nada, mas estou confiante no
que escolhi fazer e farei de tudo para me adaptar, pois todos temos
escolhas na vida e a minha está sendo essa, agora”.
Passei
2011 preparando a biblioteca onde estava, os demais funcionários; me
ajeitando para as mudanças; avisando fornecedores, editoras, colegas,
enfim, tentando comunicar a todos com os quais mantinha contanto e, mais
no final do ano, passando a bola para quem viria no meu lugar.
Confesso
que, nessa altura do campeonato, ao mesmo tempo em que eu me encontrava
super ansiosa para chegar logo a época da mudança, por outro lado tinha
certa preocupação em como eu arranjaria outro trabalho. Mas, como tudo
acontece na hora que tem que acontecer, em outubro, num Congresso de
Biblioteca Escolar, na USP, encontrando com antigas colegas, fui
convidada a trabalhar numa nova “modalidade”, mas que incluía também uma
biblioteca escolar pública, em Campos do Jordão.
Desde
então os pensamentos deram uma baita guinada e novos planos começaram a
se desenrolar... Em dezembro a proposta se concretiza, por meio da
Associação Parceiros da Educação, uma OSCIP (Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público), que promove e monitora parcerias entre
empresas/empresários e escolas da rede pública. Tem como objetivo
principal contribuir para a formação integral de alunos da rede pública,
por meio da instituição de parcerias entre empresas e escolas, que
visam melhorar a qualidade do ensino e o aproveitamento escolar de seus
alunos. E para isso conta com o trabalho de facilitadores de parcerias,
que ficam nas escolas viabilizando e operacionalizando os trabalhos. E é
essa a minha nova função – facilitadora de parceria, numa Escola
Estadual, de Ensino Médio, em Campos do Jordão.
Devo
salientar que para que eu fosse convidada, o que pesou bastante foi o
fato de eu ser bibliotecária escolar, visto que um dos empresários que
“apadrinha” a escola é verdadeiramente apaixonado pelos livros e leitura
de um modo geral, e faz de tudo pela biblioteca da escola. Diga-se de
passagem, que essa é uma das poucas, se não for a única escola em que o
espaço é chamado e conhecido por BIBLIOTECA e não Sala de Leitura, como
ocorre nas demais da rede pública de ensino.
Então,
vejam vocês, estaria eu indo para um novo serviço, numa nova escola,
numa outra cidade, mas ainda poderia ficar entre o objeto que tanto
aprecio – livros, e com o público que já estava acostumada – alunos.
Fiquei muito grata por tudo isso e resolvi abraçar e encarar tudo de
peito aberto.
O
ser facilitadora era uma incógnita, super diferente e desafiante, mas
achava que pelo fato de poder estabelecer meu posto de trabalho na
biblioteca eu poderia tirar de letra. “Ledo engano”. Como foi difícil
minha adaptação, eu que achava que me ajeitava bem em todo e qualquer
lugar...
Depois
de tanto ouvir falar, por colegas da profissão, por ler e ouvir na
mídia, estou constatando e vivenciando as mazelas do Ensino Público no
Brasil. Quanto desperdício! Quanta “burrocracia”! Quanto serviço por
fazer e quantos funcionários fazendo somente o que querem e gostam!
Quanta lentidão na resolução de um pequeno caso! E por aí afora...
Mas
como também tenho a incumbência de reorganizar a Biblioteca, pois acima
de tudo, ela faz parte do Programa da Parceiros, como uma ferramenta
pedagógica que deve ser constantemente usada por professores e alunos e,
sendo assim, cabe também à facilitadora cuidar para que ações nesse
sentido aconteçam, de fato, na Biblioteca, tornei a tarefa menos árdua
para mim.
Como
é minha área, de coração, tenho me empenhado bastante para deixar a
Biblioteca da Escola mais acessível, dinâmica, atrativa e capacitada
para promover o desenvolvimento intelectual dos alunos.
Como
já é de conhecimento, não existe a figura do profissional bibliotecário
e sequer pessoas habilitadas a trabalhar com a leitura e afins. O que
se encontra lá não foi diferente, são professores ou outros funcionários
readaptados trabalhando nas bibliotecas. Aqui também encontrei
funcionários readaptados, porém, com uma força incrível para mudar,
melhorar e aprender. São 3 funcionários do Estado, cada qual com suas
qualidades, restrições e problemas que os levaram para a Biblioteca,
quase como um último reduto antes da aposentadoria, quer por tempo de
serviço, quer por invalidez, como foi o caso de um dos funcionários,
pouco antes de minha chegada.
Isso
já me deixou boquiaberta, pois saber que ainda em 2012 temos esse tipo
de pensamento e ação, ou seja, o funcionário que não pode, por “n”
razões médicas ou psicológicas, continuar em sua função, mandam para a
biblioteca ou sala de leitura, é um absurdo!!!!! Quer dizer que ainda
após tantas lutas, tantas leis, tantas falas e queixumes, a biblioteca é
vista como um depósito de livros e gente; como se lidar com informação
não necessitasse de treinamento, preparo, gosto e, acima de tudo, saber
fazer.
Atualmente
são 3 os funcionários dessa Biblioteca. Desde o início gostaram de tudo
o que lhes apresentei para que fosse modificado. Aos poucos foram
aprendendo e fizeram e fazem tantas sugestões, às quais acato sem
pestanejar, pois são fabulosas. Um delas conhece a Biblioteca como
ninguém, e o mais importante, ela gosta muito de lidar com os alunos.
Ela era da limpeza, porém tomou um gosto tal pela Biblioteca que não só
conhece o acervo, como quer aprender mais e mais.
Um
fato bastante positivo que me chamou a atenção foi a frequência de
alunos na Biblioteca, sem que haja um trabalho específico para tal
vinda. Claro que alguns professores de Língua Portuguesa marcam aulas
para leitura em grupo ou mesmo para escolha de cada um, mas o acesso
espontâneo é bem intenso e frequente.
Considerando
as dificuldades e características de alunos do Ensino Médio numa Escola
Pública, eles leem bastante. Quando cheguei, alterei a quantidade para a
retirada de livros, de 1 para 3 títulos, com a permissão da direção. Aí
sim os empréstimos aumentaram mais ainda.
O
grande desafio na Escola Pública, além do Projeto Educacional em si não
ajudar por ser bastante enrijecido, existem as características de cada
lugar, no caso em uma cidade turística onde o jovem não tem perspectiva
de vida melhor e muito menos anseios para as mudanças necessárias.
A
Biblioteca uma vez mais, se faz presente nessa hora e precisa se abrir
para receber esses alunos, digamos, ainda sem rumo definido, sem
expectativa de futuro. Estou tendo contato com esses alunos e está sendo
enriquecedor. Travamos muitas conversas por meio dos livros. Já
consegui com que alunos que não costumavam ler, pudessem ter essa
experiência e isso aconteceu em Junho. Portanto, em Agosto saberei o
resultado de alguns deles, pois levaram os livros para as férias.
A
Biblioteca está bem equipada, pelos empresários, é claro. Se bem que
devo salientar que o Estado tem enviado livros maravilhosos, ainda que
alguns não sirvam para Ensino Médio. Os alunos indicam e sugerem
títulos, mensalmente, pois com a Parceria, tenho verba para comprar.
Por
outro lado, como já sabido e repetido, uma Biblioteca Escolar não é
nada e não funciona sem a parceria dos professores e da equipe gestora.
Precisam estar todos em sintonia e trabalharem proficientemente para que
os objetivos da Biblioteca e, por conseguinte, os da Escola, sejam
amplamente alcançados. O que encontrei aos montes, também, foram
professores desmotivados, reclamando de seus baixos salários e de alunos
indisciplinados. Esse é um dos grandes desafios da equipe gestora –
motivar seus professores e nosso papel é ajudá-la a fazer isso.
Estou
há apenas 5 meses nesse novo trabalho, mas já percebi, sem dúvida
alguma, que no caso desta Escola, o fato de haver um programa de
Parceria, está fazendo muita diferença e, confesso que estou gostando
bastante. No caso da Biblioteca, tanto alunos quanto professores a
conhecem como tal, ainda que não desfrutem totalmente dela, mas aos
poucos estão se abrindo para conhecê-la melhor.
Ela
tem sido “palco” para reuniões do Grêmio Estudantil, para encontros de
grupos de cinema, para reuniões de professores, para receber visitantes,
etc. Pretendemos, até o final do ano, informatizá-la e deixá-la o mais
próximo possível de uma biblioteca inteiramente organizada.
Mais
uma vez também estou aprendendo o quanto é difícil a comunicação no
âmbito da educação pública. Quanto que as Escolas Públicas carecem de
melhor atendimento; como a equipe gestora precisa de ajuda; como e
quanto necessitam de um olhar dócil, diferente e sério por parte das
autoridades competentes, ou melhor, responsáveis. Vivendo toda essa
situação, me pergunto quando os governos reinantes entenderão e
aceitarão que sem a EDUCAÇÃO, nada pode ir pra frente? Quando aprenderão
que o jovem, ainda que humilde e simples, necessita de autoridade e não
autoritarismo, e também atenção e carinho????????
Está
sendo uma experiência bastante válida para mim e sou grata pela
oportunidade de poder olhar por outros ângulos. Precisamos sempre estar
abertos para novos conhecimentos.
Depois de partilhar essas aventuras, gostaria de finalizar com um pequeno texto do Ezequiel Theodoro da Silva, em Leitura na Escola, da Ed. Global, 2008.
“A
aprendizagem e o aprimoramento da leitura têm uma relação direta com a
qualidade do trabalho escolar. Ainda que a escola não possa garantir a
formação integral e definitiva dos leitores, a ela cabe a
responsabilidade de inserção formal das crianças no universo da escrita
(manuscrita, impressa e virtual) por meio da alfabetização e do
letramento. Não é à toa que, no imaginário de muitas famílias,
matricular um filho na escola significa, antes de tudo, torná-lo capaz
de ler, escrever e contar.”
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