segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Bibliotecas de escolas públicas apresentam precariedades

Bibliotecas de escolas públicas apresentam precariedades

30.09.2013

Acervo reduzido e desatualizado, além da falta de bibliotecários são deficiências desses espaços

A proposta de criação e manutenção de bibliotecas em todas as escolas públicas da Educação Básica federal, estadual e municipal - prevista no Projeto de Lei (PL) da Câmara Nº 28/2012 e em tramitação no Senado - trouxe à tona a precária situação de funcionamento desses espaços essenciais ao processo de alfabetização e letramento dos alunos. Basta ressaltar que na rede municipal de Fortaleza essas unidades são denominadas de salas de leiturapor contarem, via de regra, com acervos reduzidos ou desatualizados e não disporem de um profissional habilitado ao seu funcionamento.

Alunos da Escola João Nogueira Jucá participam de atividades de leitura Foto: Helosa Araújo
Embora tenha repercutido positivamente entre educadores de Fortaleza, o PL suscitou, ainda, outros questionamentos, tais como quanto à indefinição da destinação de recursos para a sua implementação e por permitir a atuação, nesses espaços, não apenas dos bibliotecários mas também de professores “readaptados”, ou seja aqueles que apresentam problemas de saúde e estão fora de sala de aula.

Sobre essa possibilidade, a presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 3ª Região CE/PI, Maria Herbênia Gurgel Costa, lembra que o bibliotecário detém o conhecimento para organizar e dinamizar acervos. “Esse profissional está qualificado com competência para tratar e disseminar a informação de forma ordenada”, frisou Herbênia Gurgel, que é ainda diretora da Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira.

Favorável “a todo e qualquer projeto que represente incentivo à leitura”, o ex-presidente do Conselho Estadual de Educação e professor aposentado do curso de Letras das universidades Federal e Estadual do Ceará, Marcondes Rosa, contudo declara-se a favor da utilização nas bibliotecas do “professor readaptado”. Para ele, esse profissional, pelo menos em tese, tem mais condições de ajudar os alunos. “A simples presença de um professor nesses ambientes é capaz de causar um elo maior do estudante com a leitura e facilitar a compreensão de textos”, frisa.

Também para a diretora da Faculdade de Educação da UFC, a pedagoga Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca, o teor do PL é relevante. O livro, adiantou, é um bem com um tempo de vida útil, que pode ser menor ou maior conforme o modo de usá-lo. “A faixa etária mais novinha reduz esse tempo, devido à forma de manuseio. Então, é necessário mais investimentos para renovar e manter as bibliotecas”.

Isabel Ciasca cita seus temores acerca das condições que serão oferecidas pelo governo para a implantação das bibliotecas na rede pública. “Não haverá técnicos, no caso bibliotecários, em número suficiente para viabilizar o projeto no prazo previsto”, alertou, adiantando ser necessário definir de onde virão os recursos para a criação e manutenção dessas bibliotecas.

ENTREVISTA

A inexistência de profissional qualificado leva à inoperância

Maria Herbênia Gurgel CostaPresidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 3ª Região CE/PI

Qual a opinião da senhora sobre o Projeto de Lei Nº 28/2012?
O relator, senador Cássio Cunha Lima, apresentou substitutivo ao projeto que prevê a contratação de bibliotecários ou profissionais de educação em bibliotecas escolares públicas e privadas. Estudos demonstram que uma das principais causas da inoperância das bibliotecas nas escolas é a inexistência de profissional qualificado, ou seja, bibliotecário, para coordenar as suas atividades e responsabilizar-se pelo seus funcionamentos. Aspecto que, por contraste, denuncia a fragilidade da presença do professor readaptado, ou outros funcionários das escolas (até auxiliares de serviços), à frente das bibliotecas das escolas, já que a estes faltam habilidades e conhecimentos técnicos específicos para o exercício das atividades projetadas.

Existe alguma outra legislação ou proposta de legislação prevendo a existência de bibliotecas nas escolas da rede pública?

Em março de 2010, a sanção da Lei Nº 12.244, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas escolares, garantiu um direito inalienável, ou seja, que até o ano de 2020 todas as instituições do País, públicas e privadas, deverão ter bibliotecas, com prazo máximo de dez anos respeitada a profissão de bibliotecário.

E a rede privada como fica?

A rede privada fica, igualmente, contemplada pela Lei Nº 12.244. 

A cidade de Fortaleza e o interior cearense têm bibliotecários em número suficiente para colocar em funcionamento bibliotecas em todas as escolas da rede pública, como prevê o PL Nº 28/2012?

O Conselho Federal de Biblioteconomia, cuja missão é ser agente de excelência na promoção e fortalecimento das ações do profissional de biblioteconomia, promoverá um curso à distância, para formar técnicos em biblioteconomia, com edital lançado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e chancela das universidades públicas federais e estaduais, com previsão de início para o segundo semestre de 2014. Mantendo a proposta de acompanhamento e supervisão do bibliotecário. Desta feita, busca-se suprir as necessidades e exigências do mercado. Em biblioteca, bibliotecário!

PMF só tem sala de leitura

Em Fortaleza, atualmente, as 300 escolas existentes na rede municipal (280 patrimoniais, 13 anexos e sete especiais) contam com salas de leituras, mas não com bibliotecas, admitiu o coordenador de Articulação da Comunidade e Gestão Escolar, João Lúcio Alcântara.

"Nas salas de leituras, temos livros e buscamos estimular o gosto do aluno por leitura", disse, também elogiando a proposta do PL Nº 28/2012. "Por determinação do secretário de Educação do Município, Ivo Gomes, estamos fazendo levantamento para transformar essas salas em bibliotecas", frisou, adiantando que isso deve acontecer no início do próximo ano letivo.

Informou, ainda, que na atual gestão, essa secretaria criou uma Assessoria Técnica de Gestão de Livros e Conteúdos Digitais, com o objetivo de fazer um levantamento para "revitalizar e resignificar esses espaços destinados às salas de leitura".

"Claro que é fundamental ao processo de aprendizagem a existência de bibliotecas nas escolas", ponderou, explicando que após a alfabetização, vem qualificação da leitura e a compreensão de textos. Sobre denúncias de servidores da Escola Irmã Simas, que preferiram não se identificar, dando conta de que o secretário Ivo Gomes colocou nas salas de aula professores com problemas de saúde, sobretudo relacionados à voz, e por isso não conseguem fazer leituras e contação de histórias com os alunos, João Lúcio Alcântara justificou que o remanejamento aconteceu porque a rede municipal tinha carência de professores nas salas de aulas.

Também admitiu a defasagem no acervo e a necessidade de bibliotecários nesses ambientes. "O Município estuda rever a questão, tanto é que falamos que não temos bibliotecas, mas sim salas de aula", citou.

Centros multimeios

Na rede estadual, todas as escolas contam com um centro de multimeios, formado pelos espaços da biblioteca, sala de leitura, vídeo e laboratório de informática, informou a Secretaria de Educação do Estado (Seduc), através de sua assessoria de imprensa. Contudo, professores da rede estadual questionam a informação. Na Escola Nogueira Jucá, visitada pela reportagem, uma educadora considerou que a unidade tem sala de leitura, apenas.

O centro multimeios gerencia o processo de leitura, empréstimos de livros, revistas, periódicos e demais mídias para alunos, professores e funcionários, adianta a assessoria da Seduc.

ENQUETE

Você utiliza esses espaços?

"Sim. Eu gosto de ficar na sala de leitura. Gostei muito do livro Gato de Botas. Também já li sobre as drogas. Mas agora, eu estava era vendo um vídeo. A gente assiste muitos filmes"

Wendel Silva, 12 anos
Aluno da escola do Município Irmã Simas

"Mais ou menos. Vou à biblioteca para assistir vídeos ou para ficar em silêncio ouvindo músicas pelo celular. Não gosto de ler. Tenho preguiça de ler um livro todinho, até o final"

Israel Silva, 16 anos
Aluno da escola estadual João Nogueira Jucá

PL prevê turno suplementar
Conforme anúncio feito pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal - que aprovou o PL Nº 28/2012 no último dia 17 -, os alunos deverão utilizar as bibliotecas em turno suplementar. Além disso, o teor do PL será incluso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Nº 9394/1996). A ideia do projeto já consta na Lei Nº 12.244/10, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas escolas públicas e privadas, até 2020, originada de proposta da Câmara dos Deputados.

Em âmbito nacional, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) apontou que o número de bibliotecários formados no Brasil e as características da profissão impediriam que o objetivo da proposta fosse alcançado plenamente. Por isso, apresentou substitutivo permitindo a contratação de "professores readaptados" e "técnicos em biblioteconomia e multimeios didáticos", profissionais com competência para orientar as leituras dos alunos. Outra mudança sugerida reduz o prazo para o cumprimento da norma de cinco para três anos.

MOZARLY ALMEIDA
REPÓRTER
 

 
Daniele L. S.

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