quinta-feira, 12 de setembro de 2013

LEITURA EM CRISE

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(texto disponível até 25/09/2013)
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Bráulio Tavares

O mundo está cheio de gente preocupada com o “fim do livro”. Eu não tenho o menor medo disso. Temo, sim, o “fim da literatura”.

O livro de papel vai ser substituído por leitores eletrônicos. Vai ser um apocalipse, uma convulsão geológica capaz de afundar continentes e trazer ao sol plataformas oceânicas. Indústrias gigantescas, que durante séculos viveram do papel e da tinta, vão desmoronar como os templos dos últimos dias de Pompéia. E nos lugares mais improváveis vão surgir (já surgem) novas indústrias, transferindo o conteúdo da celulose.

A superfície Digital será onipresente: folhas flexíveis, transparentes, levemente luminosas, que se acenderão ao toque em pontos padronizados. Segurarei uma assim no café da manhã e verei (via wi-fi) a primeira página dos meus e-mails, minha timeline no Facebook ou meus clips musicais no YouTube. Se quiser, transferirei tudo com um toque para a parede da sala, também recoberta pela mesma camada de “microcristais ionizados” ou de sei lá o quê.

Poderei ler Ítalo Calvino na parede, Agatha Christie no travesseiro, Manuel Bandeira na lente dos óculos e H. G. Wells no para-brisa do carro (durante os engarrafamentos). Os livros de papel pertencerão ao passado, mas minha vida intelectual, como leitor, continuará a mesma.

É o fim da literatura que me amedronta. Pois hoje, na época do livro de papel, cada vez que piso em livrarias vejo os arraiais da literatura cada vez menores. Ela só brilha quando cabe na prateleira de lançamentos e sobrevive apenas se vender muito. Caso contrário, cede espaço à autoajuda, ao espiritualismo de barraca, aos manuais de vendas, às obras de dietas, gastronomia, viagens, turismo, piadas... Livros que se multiplicam a cada ano que passa, superlotando balcões, empurrando para cantos cada vez mais obscuros o romance, o conto, a poesia, a crônica e o teatro.

Não sentirei falta do livro de papel se o eletrônico seguir dando acesso a Raymond Chandler, Paulo Leminski, Júlio Verne, Julio Cortázar, Campos de Carvalho... Afinal, é de literatura que eu gosto. E de nada me serviria viver num mundo de livros de papel que só falem de anjos e de culinária e de onde a literatura desapareça por falta de leitores.


(Fonte: Carta Fundamental, n.50, p.66, ago. 2013)

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